A Introdução ao Direito se constitui numa disciplina de caráter fundamental, uma vez que apresenta um conteúdo de natureza estrutural e seus princípios alicerçam e informam o Direito como um todo.
Os primeiros contatos do acadêmico com o Direito se fazem por meio da Introdução ao Estudo do Direito, que trabalha como um elo entre a cultura geral, obtida no curso médio, e a cultura específica do direito. A Introdução lança no espírito dos alunos, as informações que tornarão possível, no futuro, o desenvolvimento do raciocínio jurídico a ser utilizado nos campos específicos do conhecimento jurídico.
Não podemos examinar a disciplina isoladamente, uma vez que, a sociedade moderna vivencia cotidianamente diversos problemas que não apresentam apenas um enfoque particular, ao contrário, as grandes demandas sociais dizem respeito às questões de relacionamento, ou seja, da convivência, da busca pelo desenvolvimento, da prosperidade e satisfação das necessidades básicas de vida, num clima de harmonia, segurança, paz e justiça social.
A metodologia jurídica, não como disciplina autônoma, mas como proposta de reflexão filosófica sobre o processo de realização do direito, não busca apenas definir técnicas ou estabelecer regras instrumentais para aplicá-la, mas também refletir sobre ele de modo crítico vendo-o mais como prática social do que como conjunto de regras vigentes em determinada sociedade. O direito não é, assim, um dado, mais um processo que permite reunir as suas diversas perspectivas numa construção permanente, das normas jurídicas, superando-se a distinção entre o ser e dever ser.
Neste sentido, podemos observar a existência de um fenômeno denominado interdisciplinaridade, responsável pelo entrosamento e influência que uma disciplina jurídica passa a exercer sobre outras. Como disciplina fundamental do Curso de Direito, a Introdução ao Estudo do Direito deve ser trabalhada sob a luz de outras disciplinas de base, tais como: à Filosofia Geral e Jurídica, à Sociologia Geral e Jurídica, à História do Direito, à Economia Política, etc...
O objeto de estudo da nossa disciplina deve ser analisado de forma mais ampla possível, proporcionando ao acadêmico do Curso de Direito uma visão humanística, valorativa e social do Direito. Neste sentido, a disciplina de Introdução ao Estudo do Direito se preocupa em fornecer ao iniciante uma visão global do Direito, que não pode ser obtida através do estudo isolado dos diferentes ramos da árvore jurídica.
O programa deve ser apresentado, ressaltando a relevância das seguintes questões de base em torno das quais o conteúdo doutrinário e legislativo será desenvolvido: as diversas concepções do Direito; a sua relação com a Sociedade e o Estado; sua formação e evolução nas sociedades; suas funções sociais; os modos de interpretação, integração e aplicação, visando uma adequada satisfação da prestação da tutela jurisdicional.
É através da Introdução ao Estudo do Direito que o estudante deverá ultrapassar as primeiras dificuldades em relação aos novos conceitos e métodos, da nova terminologia diante do próprio sistema que desconhece e testar sua vocação para o Direito.
A sugestão da bibliografia tem por fim satisfazer a questão do enfoque interdisciplinar, e facilitar a compreensão do conteúdo programático, no contexto proposto no presente caderno. Tendo em vista a riqueza de obras editadas para suprir as necessidades nesta disciplina, para operacionalizar o trabalho do docente e dos alunos indicamos algumas obras que constam do programa de disciplina, tais como:
• Lições Preliminares de Direito, Miguel Reale, ed. Saraiva, SP,
• Introdução ao Estudo do Direito, Paulo Nader, ed. Forense, RJ,
• Introdução ao Estudo do Direito, Paulo Dourado Gusmão, ed. Forense, RJ,
• Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, Maria Helena Diniz, ed. Saraiva, SP,
• O Direito - Introdução e Teoria Geral, José de Oliveira Ascensão, ed. Renovar, RJ,
• Hermenêutica e Aplicação do Direito, Carlos Maximiliano, ed. Forense, RJ,
• Para Filosofar, Severo Hryniewicz, Livraria e Editora Santelena Ltda. RJ,
A importância da nossa disciplina, contudo, não resulta apenas do fato de propiciar aos alunos a adaptação ao Curso, de vez que leciona também noções essenciais à formação de uma consciência jurídica.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 2
Matéria a ser desenvolvida: O Direito. Concepção Introdutória da Palavra Direito. O Direito e sua Função Social. Finalidade do Direito: controle social, prevenção e composição de conflitos de interesses, promoção de ordem, segurança e justiça. Debate sobre a qualificação do Direito como Ciência. Noções sobre a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. Relação entre o Direito e a Moral.
O Direito. Concepção Introdutória da Palavra Direito.
A palavra direito pode apresentar vários significados. É um termo polissêmico, proporcionando dificuldades de uma definição unívoca. Definir o direito não é tarefa do jurista, mas do filósofo. Do primeiro espera-se que declare o que é direito (quid iuris), do segundo, o que é o direito (quid ius). “Francisco Amaral – Direito Civil – Introdução, Renovar, RJ, 2000.
Como observa Miguel Reale: “Aos olhos do homem comum o Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros. Assim sendo, quem age de conformidade com essas regras comporta-se direito; quem não o faz, age torto”. Lições Preliminares de Direito, ed. Saraiva, SP, 2001.
Na acepção mais comum e freqüente, emprega-se para designar o conjunto de prescrições com que se organiza e disciplina a vida em sociedade, prescrições essas que encontramos formuladas e cristalizadas em regras dotadas de juridicidade, que as diferencia das demais regras de comportamento social e lhes confere eficácia garantida pelo Estado.
A palavra “direito” vem do latim directum, que corresponde à idéia de regra, direção, sem desvio. No Ocidente, em alemão recht, em italiano diritto, em francês droit, em espanhol derecho, tem o mesmo sentido. Os romanos denominavam-no de jus, diverso de justitia,que corresponde ao nosso sentido de justiça, isto é, qualidade do direito.
A grande divergência entre os juristas quanto à definição do Direito, levou Kant a afirmar, no século XVIII que os “juristas ainda estão à procura de uma definição para o Direito”. Decorridos dois séculos estas críticas mantêm-se atuais, uma vez que os cultores da jurisprudência não lograram objetivar, através de uma definição, todos os sentidos do vocábulo. De um lado, as definições sofrem à influência das inclinações do jurista; dependem do tipo homo juridicus que representa. Se de índole legalista, identificará o Direito com a norma jurídica; se idealista, colocará a justiça como elemento primordial. Os sociólogos do Direito, por sua vez, ressaltam o elemento social, enquanto que os historicistas fazem alusão ao caráter evolutivo do Direito.
Ao longo de seu processo de evolução histórica o Direito vem se apresentando como um conjunto de normas que tem por objetivo a disciplina e a organização da vida em sociedade, solucionando os conflitos de interesses e promovendo à justiça. Nesse sentido, as principais funções do Direito seriam a de resolver conflitos, as de regulamentar e orientar a vida em sociedade e as de legitimar o poder político e jurídico.
Na lição de Miguel Reale, “o direito é também uma relação intersubjetiva, por envolver sempre dois ou mais sujeitos. Daí a sempre nova lição de um brocardo: ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade está o direito)”.
O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. É a ordenação bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum.
Dante Alighieri, em seu livro a Divina Comédia conceituou o direito como sendo uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a.
Nota: A definição do Direito só pode ser obra da Filosofia do Direito. A nenhuma Ciência Jurídica particular é dado definir o Direito, pois é evidente que a espécie não pode abranger o gênero.
Além das noções ora examinadas do direito podemos ainda conceituá-lo sobre vários aspectos:
a) Conjunto de regras jurídicas – direito como norma ou no sentido objetivo;
b) Poder de um sujeito exigir a prestação de um dever por parte do outro – direito subjetivo;
c) Ideal de justiça – dar a cada um o que é seu (Ulpiano);
d) Setor do conhecimento humano que investiga e sistematiza os fenômenos jurídicos – direito como ciência ou ramo do conhecimento.
O Direito e sua Função Social.
Considera-se, aqui, função, a tarefa ou o conjunto de tarefas que o Direito desempenha, ou pode desempenhar na sociedade.
Nesse sentido, as principais funções do Direito seriam a de prevenir conflitos, solucionar conflitos e as de regulamentar e orientar a vida em sociedade assim como, legitimar o poder político e jurídico, como foi salientado anteriormente. Quanto à primeira, o Direito atua precipuamente com objetivo de evitar que o conflito ocorra por meio das normas; já sua segunda função atua no sentido de solucionar conflitos de interesses procurando restaurar o estado anterior. Assim, tanto a primeira quanto a segunda são instrumentos de integração e de equilíbrio, oferecendo ou impondo regras de comportamento para decisão que o caso sugere. O exercício de tais funções não levaria, contudo, ao desaparecimento dos conflitos, que são inerentes à sociedade. O direito também orienta o comportamento social, objetivando evitar conflitos. O caráter persuasivo das normas jurídicas leva-nos a atuar no sentido dos esquemas ou modelos normativos do sistema jurídico. O direito observado desse modo surge como organizador da vida social e instrumento de prevenção de conflitos.
O direito apresenta ainda, a tarefa de organizar o poder da autoridade que decide os conflitos, legitimando os órgãos e as pessoas com o poder de decisão e estabelecendo normas de competência e de procedimento.
Finalidade do Direito: controle social, prevenção e composição de conflitos de interesses, promoção de ordem, segurança e justiça.
O Direito aparece, desse modo, ao longo de um processo histórico, dialético e cultural, como uma técnica, um procedimento de solução de conflitos de interesses e, simultaneamente, como um conjunto sistematizado de normas de aplicação mais ou menos contínua aos problemas da vida social, fundamentado e legitimado por determinados valores sociais.
O conflito gera litígio e este, por sua vez, quebra o equilíbrio e a paz social. A sociedade não tolera o estado litigioso porque necessita de ordem, tranqüilidade, equilíbrio em suas relações. Por isso, tudo faz para evitar e prevenir o conflito, e aí está uma das principais funções sociais do Direito – evitar tanto quanto possível à colisão de interesses. O Direito existe muito mais para prevenir do que para corrigir, muito mais para evitar que os conflitos ocorram, do que para compô-los.
O Direito previne conflitos através de um conveniente disciplinamento social: direitos e deveres para locador e locatário, vendedor e comprador, enfim, para todos. À medida que cada um respeitar o disciplinamento estabelecido pelo Direito, evitará entrar em conflito com outrem na sociedade. Sem essas normas de conduta os conflitos seriam tão freqüentes de modo a tornar impossível à vida em sociedade. Se o indivíduo vivesse só, isolado, não necessitaria de regras de conduta, pois poderia viver e fazer o que bem entendesse. Vivendo, porém, em grupo precisa limitar-se, comportar-se, respeitar direitos e interesses dos outros.
Quanto maior o relacionamento, quanto mais complexas as relações sociais, maior será a possibilidade de conflito, e, portanto, maior também a necessidade de disciplina e organização.
Não obstante toda prevenção realizada pelo ordenamento jurídico, os conflitos surgem e necessitam de composição. A maneira de solucionar o conflito é, então, colocar os dois interesses em antagonismo na balança, e determinar qual o que deve prevalecer e qual deve ser reprimido. Esse é o sentido de toda à composição.
Basicamente, podemos citar como critérios de composição de conflitos: critério da composição voluntária; critério autoritário, critério da composição jurídica, se constituindo este último naquele considerado como o sociologicamente mais adequado e justo na resolução de conflitos de interesses, pois, se caracteriza pela anterioridade, publicidade e universalidade quando da sua aplicação.
Contudo, não se limitam a isso, entretanto, as funções do Direito na sociedade contemporânea. Sem dúvida, as mudanças sociais oriundas da revolução industrial e do desenvolvimento tecnológico têm exigido do Estado uma intervenção crescente em favor do bem-estar e da justiça social, ressaltando-se a importância como instrumento de planejamento econômico, multiplicando-se as normas jurídicas de programação social e estabelecendo-se novos critérios de distribuição de bens e serviços. Assim, o Direito evolui de suas funções tradicionalmente repressivas para outras de índole organizatória e promocional, estabelecendo novos padrões de conduta e propiciando a cooperação dos indivíduos na realização dos objetivos da sociedade contemporânea.
Podemos considerar, objetivamente, quatro funções que competem ao direito: prevenir os conflitos de interesse; resolver os conflitos, reprimindo e penalizando os comportamentos socialmente inadequados; organizar a produção e uma justa distribuição de bens e serviços, e institucionalizar os Poderes do Estado e da Administração Pública; tendo sempre como meta final e superior, a realização da justiça e o respeito aos direitos humanos.
INTRODUÇÃO AO DIREITO I - AULA 2
O MUNDO NATURAL E O MUNDO CULTURAL
Toda sociedade importa necessariamente uma ordem: importa, pois, a configuração de vários elementos, a demarcação das posições relativas destes, para a obtenção de um fim ou função comum. A determinação das características necessárias adapta-se ponto por ponto as estes requisitos. A ordem de uma sociedade pode ser perturbada por crises, contudo subsiste e tende para a normalização – com maiores ou menores alterações – pois sem ordem sociedade nenhuma lograria subsistir.
A ordem é uma realidade: não material, mas nem por isso é menos um dado objetivo. A sociedade não representa apenas a soma de indivíduos, porque há ligações espirituais entre eles que lhes são essenciais. Mas se essa ordem é um fato, a ordem social não será afinal uma manifestação da ordem natural? E as leis porque se traduz não serão afinais leis naturais? A ordem natural é realmente um fato, tal como a ordem social; mas não se pode pensar que haja identificação entre uma e outra. A ordem natural é uma ordem da necessidade: tem de existir tal quais as suas leis não são alteráveis. Pelo contrário, a ordem social, servindo-se e tendo a sua base na ordem da natureza, não é uma ordem da necessidade, mas da liberdade. O homem mantém a liberdade de se rebelar contra ela podendo chegar a alterar os equilíbrios existentes ou até a revolucionar a ordem social.
O homem não apenas existe, mas coexiste, ou seja, vive necessariamente em companhia de outros homens, em virtude do fato fundamental da coexistência, estabelecem os indivíduos entre si relações de coordenação, de subordinação, de integração, ou de outra natureza, relações essas que não ocorrem sem um concomitante surgimento de regras de organização de conduta.
Pode-se dizer ser a vida social constituída de uma rede de relações sociais. Ora, a maioria das relações sociais ou as mais importantes para a sociedade, seja por serem essenciais à mesma, seja por serem geradoras de graves conflitos, capazes de ameaçar a paz e à ordem social, tornam-se relações jurídicas ao serem regidas por normas jurídicas (lei, costume, precedente judicial, case-law), bem como se tornam jurídicas às relações entre as nações quando disciplinadas e garantidas por costumes internacionais e tratados.
O Direito tem significação, destinação, finalidades, sendo prescrito tendo em vista fatos sociais, segundo tradição e valores. Não é, assim, produto da natureza. Encontra-se na área cultural que será sobreposta à Natureza, que o Homem pode dominar e transformar para o bem, para a satisfação das suas necessidades das mais diversas ordens. O Direito localiza-se no mundo cultural e acompanha a sorte da cultura em que se encontra integrado.
A consideração do Direito como cultura a insolúvel questão: o Direito é fato como pensam os sociólogos, é norma, como dizem os normativistas, ou valor, como entendem os filósofos idealistas.
Seguindo nosso estudo podemos dizer que existem duas ordens de relações correspondentes as duas espécies de realidade: uma ordem que denominamos realidade natural, e uma outra realidade humana cultural ou histórica.
Constituem-se, então, dois mundos complementares: o do natural e o do cultural; o dado e o do construído. Havendo necessidade de uma expressão técnica para indicar os elementos que são apresentados aos homens sem a participação intencional, quer para o seu aparecimento, quer para o seu desenvolvimento, dizemos que eles formam aquilo que nos é dão, o mundo natural, ou puramente natural. Construído é o termo que empregamos para indicar aquilo que acrescentamos à natureza através do conhecimento de suas leis visando atingir determinado fim.
Cultura é o conjunto de tudo aquilo que, nos planos material e espiritual o homem constrói sobre a base da natureza, quer para modificá-la, quer para modificar-se a si mesmo.
Ao contrário das leis físico-matemáticas, as leis culturais caracterizam-se por sua referibilidade a valores, ou, mais especificamente, por adequarem meios afins. Daí sua natureza axiológica (valores) ou teleológicas (fins).
Não podemos esquecer que o Direito também apresenta como finalidade à justiça e a segurança.
Valor fundamental é a justiça. Sua conceituação unitária é difícil. Desde os filósofos gregos passando por Platão, Aristóteles, pelos juristas romanos, pelos mestres do Direito Natural e pelas modernas teorias jurídicas, uma definição precisa nunca foi possível estabelecer. De qualquer modo, como valor cultural, é produto histórico e relativo de acordo com as épocas e os povos que estabelecem.
Na cultura grega, a idéia de justiça pressupunha conformidade e igualdade, na cultura hebraico-cristã, obediência à lei de Deus; na cultura romana uma ordem de paz, através de contínuo confronto com a idéia de autoridade. Tais aspectos apresentam-se hoje, em conjunto, na problemática da justiça, o que lhe dificulta a definição.
Ulpiano dizia que a justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu. É uma virtude, uma atitude dos homens no seu relacionamento social.
Na lição de Francisco Amaral, “a justiça representa, antes de tudo, uma preocupação com a igualdade, o que pressupõe a correta aplicação das regras de direito, evitando-se o arbítrio, e com a proporcionalidade, vale dizer, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, mais na proporção de sua desigualdade e de acordo com os seus méritos”. A cada um de acordo com suas necessidades e exigindo-se de cada um conforme suas possibilidades. O problema central consiste, entretanto, em determinar o “devido”, o justo meio, dando-se a cada um de acordo com o seu trabalho e a utilidade social do que produz.
A idéia de justiça traduz, enfim, um princípio de distribuição de bens e de ônus, que oferece três perspectivas: a justiça como virtude, realizando-se nas relações intersubjetivas; o seu objeto, o que é devido nessas relações e a igualdade proporcional, a idéia de equivalência e de proporção.
Aristóteles distinguindo a justiça particular em três espécies: a comutativa, a distributiva e a legal. A primeira visa a igualdade entre os sujeitos, a equivalência das prestações, o equilíbrio patrimonial entre as partes da relação jurídica. É a justiça dos contratos da vida particular. A justiça distributiva “consiste em repartir entre os membros da comunidade as vantagens sociais e os encargos comuns”. Adota o princípio da proporcionalidade, o que significa dizer, a cada um conforme sua necessidade. A justiça legal (ou geral) é a justiça nas relações dos sujeitos com autoridade, que se traduz na submissão à ordem vigente. A justiça comutativa representa p ideal do cidadão; a distributiva o ideal do governante; a legal, o ideal do cidadão – pessoa.
A justiça social surge não mais como virtude, mas como tomada de consciência da noção do bem comum, em uma perspectiva do direito como instrumento de controle e de mudança social.
O bem comum é o bem da comunidade, é o bem que as pessoas promovem enquanto associados em uma ação conjunta no seu meio. Compreende o conjunto das condições sociais que permitem o desenvolvimento integral da personalidade humana, e o bem-estar, material, espiritual e cultural da comunidade, pelo que se constitui um dos objetivos fundamentais do Estado e do Direito. O bem comum é, portanto, o conjunto de condições necessárias ao bem particular dos membros da comunidade, e é também um valor social que se realiza com a participação de todos na criação das condições necessárias à existência de paz e estabilidade, presidindo ao desenvolvimento do Direito em geral.
A segurança jurídica significa paz, a ordem e a estabilidade. Consiste na certeza de realização do Direito. O Direito tem, por isso, como um dos seus valores fundamentais, para muitos o primeiro na sua escala a segurança, que consiste, precisamente, na certeza da ordem jurídica e na confiança de sua realização, isto é, no conhecimento dos direitos e deveres estabelecidos, e na certeza de seu exercício e cumprimento.
O Direito como Ciência.
Quando o tema é ciência, a divergência surge logo na acepção que se quer dar ao termo. Ciência significa uma coisa para o senso comum, significou outra coisa para os antigos e tem, ainda, um significado bem específico para filósofos e cientistas atuais. Para o senso comum pode ser sinônimo de habilidade, ou, de uma informação mais apurada sobre determinada matéria. Para os antigos era qualquer conhecimento sobre um objeto, obtido com o uso de um método racional. Na atualidade, a ciência reveste-se de um caráter especial: não é simplesmente uma habilidade, nem um conhecimento obtido com o uso da razão sobre um objeto qualquer, pois, nem todos os objetos são passíveis de ser abordados cientificamente. É um conhecimento rigoroso, bem sistematizado e demonstrado metodologicamente. É neste último sentido que trataremos aqui de ciência.
A ciência é um conhecimento racional, metódico, relativamente verificável e sistemático que visa estabelecer relações necessárias entre as coisas. Seus conteúdos são comunicáveis e possibilitam a previsão dos fenômenos. Dotada de aplicabilidade, pode resultar em tecnologias que permitem ao homem a intervenção sobre a natureza.
“Para haver ciência é preciso:
a) conhecimentos adquiridos metodicamente;
b) conhecimentos que tenham sido objeto de observação sistemática;
c) conhecimentos que contenham validez universal, pela certeza de seus dados e resultados.
Os autores que negam a cientificidade do Direito, apoiam-se na ausência do terceiro requisito:
Não é como fogo que arde do mesmo modo na Pérsia e na Grécia. – Aristóteles.
Os que o afirmam, defendem a idéia de que “no lugar onde ele atua, tem validade universal” - Hans Kelsen” (Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchoa).
Sob a ótica de que ciência é qualquer tipo de conhecimento racional e sistemático de realidade natural, social ou cultural, o direito é, sem dúvida, uma ciência.
Nota: No âmbito das Ciências Humanas e Sociais, não podem ser estabelecidas leis invariáveis no tempo e no espaço. Os motivos para tal são muitos e dentre eles podem ser apontados os seguintes:
1 – A juventude das Ciências Humanas e Sociais, que ainda não tiveram tempo de amadurecer ou testar suficientemente seus enunciados sobre o comportamento humano;
2 – A semelhança entre o sujeito e o objeto dessas Ciências;
3 – A complexidade do objeto (o homem), que possui múltiplas dimensões. O homem enquanto objeto de uma ciência é um ser que pensa, sente, crê, joga, julga e pode agir livremente;
4 – A materialização é também uma grande dificuldade para tais Ciências, já que o comportamento humano, em suas múltiplas faces, é difícil de ser qualificado. Desse modo, os resultados de suas pesquisas científicas só podem ser apresentados como princípios ou generalidades, o que significa dizer que estão sujeitos a muitos erros e variações de acordo com as circunstâncias em que se verifica o comportamento humano.
Não obstante a tese segundo o qual o Direito se constitui em efetivo ramo científico ter sido negligenciada no passado por expressiva parcela de estudiosos, na atualidade contemporânea é praticamente unânime (se não, pelo menos, amplamente majoritária) a posição doutrinária que entende o Direito como autêntica e genuína Ciência autônoma.
Ainda que se possa discutir se o Direito constitui-se na própria Ciência efetiva ou, ao contrário, é apenas o objeto de uma Ciência (a denominada Ciência do Direito), a verdade é que poucos são os autores que ousam desafiar a visão dominante do Direito como Ciência e suas principais conseqüências especialmente após o advento da notável obra de Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, em que o jurista logrou demonstrar, como mentor do positivismo jurídico moderno, a pureza jurídica do Direito em seu aspecto tipicamente científico.
Mesmo assim, entre nós ainda existem aquele que simplesmente defendem o ponto de vista do Direito como uma forma não científica, desafiando não só o caminho lógico-evolutivo do estudo do Direito, mas, particularmente, à acepção mais precisa do vocábulo Ciência. Senão vejamos:
“(...) não é rigorosamente científico denominar o Direito de Ciência (...). As pretensas ciências sociais, com o ranço contimiano, onde se costuma incluir o Direito (...), não oferecem princípios de validez universal que lhes justifiquem a terminologia (...)” (Paulino Jacques, in Curso de Introdução ao Estudo do Direito).
“A Ciência Jurídica é considerada ora como “scientia” pelo seu aspecto teórico, ora como “ars” pela sua função prática. Outros ainda dão ao problema uma solução eclética” (Maria Helena Diniz, in A Ciência Jurídica, 3ª ed; São Paulo, Saraiva).
Discute-se a natureza da Ciência Jurídica, bem como a sua própria possibilidade. Compreensível essa dúvida por se tratar de problema cultural que não comporta resposta definitiva. Divergência há quanto ao seu objeto, porém, em um ponto há acordo: são as normas jurídicas, dado concreto e faz parte da realidade histórico-social, ou se quisermos, da realidade cultural, em que se acham também as obras de arte, a literatura, a filosofia, a ciência, etc.. Por isso a Ciência Jurídica é Ciência que trata de realidades, desde que se faça a distinção da realidade, físico-natural (natureza), independente da ação humana, da realidade criada ou modificada pelo homem, contida em suas obras (cultura), por isso, nela não é empregável o método das ciências dos fenômenos naturais, pois, sendo conhecimentos de normas, depende de interpretação, e não de descrição, salvo quando versar sobre o Direito como fenômeno social ou fato histórico-social. Serve-se de vários métodos inclusive da intuição ( Introdução ao Estudo do Direito, Paulo Dourado de Gusmão, ed. Forense, RJ).
Devemos observar que o estudo do Direito pode apresentar-se como Ciência Jurídica Teórica, síntese de um conhecimento jurídico de uma época, e Ciência Jurídica Particularizada, ou Ciência do Direito Positivo (leis, códigos, jurisprudência, costumes, etc.), também denominada dogmática jurídica, que, versando sobre o conteúdo das normas jurídicas, se subdivide em tantas ciências quanto forem os ramos do Direito (Ciência do Direito Penal, do Direito Constitucional, etc.).
Por último, se encarar o Direito como fato social, fará Sociologia Jurídica. Mas, se, com os resultados e auxílio do Direito Comparado, da História do Direito e da Sociologia Jurídica, entregar-se à crítica construtiva do Direito vigente, com o objetivo de propor reformas jurídicas dedicar-se-á à política jurídica.
De modo muito geral, pode-se assim definir a Ciência do Direito: “Conhecimentos, metodicamente coordenados, resultantes do estudo ordenado das normas jurídicas com o propósito de apreender o significado objetivo das mesmas e de construir o sistema jurídico, bem como de descobrir as suas raízes sociais e históricas” (Introdução ao Estudo do Direito, Paulo Dourado de Gusmão, ed. Forense, RJ, 2001).
Noções sobre a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale.
O fenômeno jurídico consoante a lição do mestre Miguel Reale (Filosofia do Direito, ed. Saraiva, São Paulo, 2000), pode ser considerado sob três aspectos ou dimensões distintos, a saber: fato, valor e norma .
Uma das preocupações do jusfilósofo Miguel Reale foi – além da delimitação do objeto da reflexão do jurídico –, sem sombra de dúvida, deixar o ponto de vista da epistemologia (finalidade lógica) estudando o Direito também como realidade fenomenológica e filosófica.
Buscou o jurista demonstrar, em sua tese, que o Direito é uma realidade tridimensional, compreendida, através das seguintes dimensões básicas: fato, valor e norma. Para Miguel Reale os três elementos dimensionais do Direito estão sempre presentes na substância do jurídico, ao mesmo tempo em que são inseparáveis pela realidade dinâmica do próprio Direito, formando o contexto do chamado tridimensionalismo “concreto”, que virtualmente se opõe ao tridimensionalismo “abstrato” que o antecedeu.
Segundo Reale, há um mundo do ser que aprecia a realidade social como ela de fato é; há um quadro de idéias e valores; e, finalmente, um modelo de sociedade desejado (mundo do dever-ser) à medida que a norma deseja reproduzir o ser podemos afirmar que nos encontramos diante de uma sociedade de essência conservadora; ao contrário, quando o dever-ser procura modificar o ser, pode ser entendida como verdadeira à afirmativa de que nos confrontamos com uma sociedade eminentemente progressiva.
Nota: Em qualquer dos casos, entretanto, o fato tem sempre um valor, porque a reprodução da realidade social também é sempre valorativa, ainda quando a sociedade caracteriza-se pelo aspecto conservador.
O fenômeno jurídico na lição de Miguel Reale, qualquer que seja a sua forma de expressão, requer a participação dialética, do fato, valor e norma que são dimensões essenciais do direito, elementos complementares da realidade jurídica.
Conseqüentemente, o Direito não é puro fato, não possui uma estrutura puramente factual, como querem os sociólogos; nem pura norma, como defendem os normativistas; nem puro valor, como proclamam os idealistas. Essas visões são parciais e não revelam toda a dimensão do fenômeno jurídico. O Direito congrega todos aqueles elementos: “é fato social na forma que lhe dá uma norma segundo uma ordem de valores”.
Assim, segundo Miguel Reale, em qualquer fenômeno jurídico, há um “fato subjacente” (fato econômico, geográfico, demográfica, de ordem técnica, etc.), sobre o qual incide um “valor” que confere determinado significado a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma “regra ou norma”, que aparece como medida capaz de fazer a integração de um elemento ao outro, ou seja, do fato ao valor. Toda vez que surge uma regra jurídica, a certa medida estimativa do fato, que envolve o fato mesmo e o protege. A norma envolve o fato, e por envolvê-lo, valora-o, mede-o, em seu significado, baliza-o em suas conseqüências, tutela o seu conteúdo, realizando uma mediação entre o valor e o fato.
Nota: O “Fato”, uma dimensão do Direito, é o acontecimento social que envolve interesses básicos para o homem e que por isso em quadra-se dentro dos assuntos regulados pela ordem jurídica.
O “Valor” é o elemento moral do Direito se toda obra humana é impregnada de sentido ou valor, igualmente o Direito: ele protege e procura realizar valores fundamentais da vida social, notadamente, a ordem, a segurança e a justiça.
A “Norma” consiste no padrão de comportamento social imposto aos indivíduos, que devem observá-la em determinadas circunstâncias.
Isto posto, podemos completar a noção inicial de Direito, conjugando a estrutura tridimensional com a nota específica da bilateralidade atributiva, neste enunciado: Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores.
As três dimensões pelas quais o Direito pode ser considerado: fato, valor e norma, segundo o próprio Miguel Reale (O Direito como Experiência, 1961, pp. 61 e 62, apud Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Sociologia Jurídica (Você Conhece?), ed. Forense, RJ, 2001), dão origem a três planos de problemas diferentes que abordaremos no momento oportuno: o da eficácia, o da vigência e o do fundamento.
INTRODUÇÃO AO DIREITO I – AULA 3
Relação entre o Direito e a Moral.
A análise comparativa entre Direito e Moral, embora seja tarefa das mais difíceis, é de grande relevância para a compreensão do fenômeno jurídico.
Sociologicamente, a palavra Moral exprime o que pertence ou diz respeito aos mores: corresponde ao conjunto de práticas, costumes padrões de conduta formadores da ambiência ética em que se vive. Trata-se de algo que varia no tempo e no espaço, porquanto cada povo, cada cultura, possui a sua moral, que evolui no curso da História, consagrando pontos de vista, modos diferentes de agir e pensar.
Várias tentativas teóricas têm sido feitas no sentido de estabelecer critérios formais de distinção entre a Moral e o Direito.
As distinções podem ser enfocadas sob dois aspectos distintos: quanto à forma e quanto ao conteúdo do Direito e da Moral.
Distinção quanto à forma – enquanto o Direito se apresenta revestido de heteronomia, coercibilidade e bilateralidade-atributiva, a Moral é autônoma, incoercível e bilateral-não atributiva.
Distinção quanto ao conteúdo – de plano, percebemos que a matéria do Direito e da Moral é comum: a ação humana. Contudo, o assunto foi colocado das mais diversas maneiras pelo jurista através da história.
Nota: Pode-se dizer que os gregos não chegaram a distinguir, na teoria e na prática as duas ordens normativas. O jurisconsultos romanos também não nos legaram uma teoria diferenciadora, embora se possa vislumbra em algumas das suas afirmações uma como intuição de que o problema do Direito não se confunde com o da Moral. Assim, de um lado Celso ao definir o Direito “arte do bom e do justo” (“ius est ars boni et aequi” – D. 1,1,1) parece confundir as duas esferas já que o conceito de “bom” pertence à Moral. Igualmente os princípios formulados por Ulpiano e considerados como definição do Direito: “viver honestamente, não causar dano a outrem e dar a cada um o que é seu” (“iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere” – D. 1,1,10), demonstram a inexistência duma diferenciação, posto que o primeiro deles o da honestidade, possui um caráter puramente moral. Doutro lado, a observação de Paulo de que “nem tudo que é lícito é honesto” (“non omne quod licet honestum est” – D. 50, 17, 144), nega abertamente a coincidência do lícito jurídico com o honesto, ou seja, a esfera do Direito e da Moral, às quais fazia referência não se confundem. Veja-se, ainda, esta outra afirmação: “ninguém sofre pena pelo simples fato de pensar” (“cogitationis nemo poenam patitur”).
Como observa Miguel Reale, se não houve um propósito deliberado de apresentar uma teoria diferenciadora entre o mundo moral e o jurídico, vislumbrava-se a existência de um problema a ser resolvido. A referida preocupação surge na época moderna especialmente depois dos conflitos entre católicos e protestantes, quando chefes de Estado passaram a se atribuir o direito de intervir na vida particular dos cidadãos, querendo que seus súditos professassem essa ou aquela crença. Houve, então, a necessidade clara da zona de interferência do poder soberano, o que só seria possível através de uma distinção entre o mundo jurídico e o mundo moral e religioso.
Miguel Reale apresenta uma sistematização de critérios distintivos entre a Moral e o Direito, através do seguinte quadro:
MORAL DIREITO
1) Quanto à natureza do ato: a) Bilateral
b) Visa mais à intenção, partindo da exteriorização do ato. a) Bilateral atributivo
b) Visa mais ao ato exteriorizado, partindo da intenção.
2) Quanto à forma: c) Nunca heterônoma.
d) Incoercível.
e) Não apresenta igual predeterminação tipológica. c) Pode ser heterônimo.
d) Coercível.
e)Especificamente predeterminado e certo, assim como objetivamente certificável.
3) Quanto ao objeto ou conteúdo: f) Visa de maneira imediata e prevalecente ao bem individual, ou os valores da pessoa f) Visa de maneira imediata e prevalecente ao bem social, ou os valores de convivência.
As Teorias dos Círculos
• Teoria dos Círculos Concêntricos
A Teoria dos Círculos Concêntricos (Jeremy Bentham – 1748/1832), jurisconsulto e filósofo inglês, concebeu a relação entre o Direito e a Moral, recorrendo à figura geométrica dos círculos. A ordem jurídica estaria incluída totalmente no campo da Moral. Os dois círculos seriam concêntricos com o maior pertencente à Moral. Desta teoria, infere-se:
a) o campo da Moral é mais amplo do que o do Direito;
b) o Direito se subordina à Moral.
As correntes Tomistas e NeoTomistas, que condicionam a validade das leis à sua adaptação aos valores morais seguem essa linha de pensamento.
Direito Moral
* Teoria dos Círculos Secantes (Du Pasquier)
Para Du Pasquier, a representação geométrica da relação entre os dois sistemas não seria a dos círculos concêntricos, mas a dos círculos secantes. Assim, Direito e Moral possuiriam uma faixa de competência comum e, ao mesmo tempo, uma área particular independente.
Moral Direito
Nota: Realmente, existe um grande número de questões sociais que se incluem, ao mesmo tempo no s dois setores. A assistência material que os filhos devem prestar aos pais necessitados é matéria regulada pelo Direito e com assento na Moral. Da mesma forma, temos problemas jurídicos estranhos à ordem moral, como, por exemplo, a divisão de competência entre um Tribunal de Alçada e um Tribunal de Justiça.
Além do que é moral, existem o imoral e o amoral.
Amoral = tudo aquilo que é indiferente à moral. (Ex: Regras de trânsito, regras processuais sobre competência, prazos, etc.)
Existem normas jurídicas que estão fora da área abrangida pela moral.
• Teoria dos Círculos Independentes (Hans Kelsen)
A idéia de Direito não guarda relação alguma com a moral. Apega-se à visão normativista tendo como base a própria validade da norma jurídica.
Direito Moral
Ao desvincular o Direito da Moral Hans Kelsen concebeu os dois sistemas como esferas independentes. Para o ilustre jurista, a norma é o único elemento essencial ao Direito, cuja validade não depende de conteúdos morais.
Segundo Kelsen, Direito é o que está na lei, é o Direito positivado.
• A Teoria do Mínimo Ético (Jellinek):
A teoria do mínimo ético desenvolvida por Jellinek, consiste na idéia de que o Direito representa o mínimo de preceitos morais necessários ao bem-estar da coletividade. Na lição do jurista alemão toda a sociedade converte em Direito os axiomas morais e estritamente essenciais à garantia e preservação de suas instituições. A prevalecer tal concepção, o Direito estaria implantado, por inteiro, nos domínios da Moral, configurando, assim, a hipótese dos círculos concêntricos.
Utilizamos o termo mínimo ético para indicar que o Direito deve conter apenas o mínimo de conteúdo Moral indispensável ao equilíbrio das forças sociais, em oposição ao pensamento do máximo ético, exposto por Schomoller.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 4
Matéria a ser desenvolvida: Divisões do Direito. O Direito Natural. O Direito Positivo, o Direito Objetivo e o Direito Subjetivo
“A Natureza e o Direito Natural”:
Procurando uma orientação neste campo em que estão em causa alguns dos aspectos básicos da condição humana, indagamos inicialmente: o que é a natureza a que se faz apelo na expressão “Direito Natural”.
O interesse contemporâneo pelo ambiente ainda fez ressaltar mais a ordem impressionante do mundo animal e, além disso, a de todo o cosmos. Que importância tem essa ordem para o Direito natural?
Na visão de José de Oliveira Ascensão (O Direito Introdução a Teoria Geral, ed. Renovar, RJ), “praticamente nenhuma além da base muito geral que nos é dada pela observação de que o Direito se insere necessariamente nessa ordem. De fato, a natureza pode ser o reino da necessidade, a camada ôntica cega a valores que se rege pelas leis da causalidade. A entender-se assim, o Direito natural seria um aspecto das chamadas “ciências da natureza”. Exprimir-se-ia por leis imutáveis e fatais, que traduziriam as regularidades entre fenômenos”.
“O homem, vinculado por necessidade à natureza, é também o único ser que não se pode definir como parte da natureza. O homem só se pode definir por contraposição à natureza. Pode assumir inclusive atitudes de rebelião contra ela. Mas o homem também tem seguramente uma natureza: natureza humana. O que é, neste sentido, a natureza humana? É a essência dum ser, que se revela através das suas características. O Direito Natural apóia-se na natureza das coisas, no sentido de que está ínsito na essência das coisas. O Direito natural exprime uma ordem que está na essência de toda a criação. Assim, o Direito natural corresponderá à essência da “natureza” física, pois também se apóia na ordem da necessidade ou ao menos está em consonância com ela. Mas corresponde antes de mais à natureza da sociedade, fenômeno cultural, e do homem como elemento primário da sociedade. O Direito natural será uma ordem que está na essência (natureza) destes seres” (José de Oliveira Ascensão,O Direito Introdução a Teoria Geral, ed. Renovar, RJ).
Toda a consideração de Direito Natural pressupõe que haja uma realidade espiritual do homem. A ordem que deve ser é a que torna possível aquela realização.
O Direito Natural é o conjunto de princípios que “atribuídos a Deus, à razão, ou havidos como decorrentes da natureza das coisas, independem de convenção ou legislação, e que seriam determinantes, informativos ou condicionantes das leis positivas” (João Batista Herkenhoff).
O Direito Natural compõem-se dos princípios superiores do Direito, evidentes por si mesmos a todos os homens.
O Direito Natural, ao contrário do Direito Positivo, não se exterioriza nas leis, mas é também, a nosso ver, o fundamento de toda a legislação. “Ele se compõe de princípios superiores imutáveis, necessários, iguais para todos e universais, que sempre e por toda parte existiram, inspiram o legislador ao elaborar o Direito Positivo e valem como padrão ao homem para julgar o Direito escrito”. (Rubens Rodrigues Nogueira).
O Direito Natural revela ao legislador os princípios fundamentais de proteção ao homem, que forçosamente deverão ser consagrados pela legislação, a fim de que se tenha um ordenamento jurídico substancialmente justo. O Direito Natural não é escrito, não é criado pela sociedade, nem é formulado pelo Estado. (...) É um Direito espontâneo, que se origina da própria natureza social do homem e que é revelado pela conjugação de experiência e razão. É constituído por um conjunto de princípios, e não de regras, de caráter universal, eterno e imutável. (Paulo Nader).
Todo o ser é dotado de uma natureza e um fim. A natureza, ou seja, as propriedades que compõem o ser, definem o fim a que este tende a realizar.
Sendo o direito natural a permanente aspiração de justiça que acompanha o homem. É o eixo em torno do qual gira toda a filosofia jurídica: positivismo e o direito natural.
Para o jusnaturalismo além do direito escrito, há uma ordem superior que é a do direito justo.
Dentre os caracteres do Direito Natural nós temos:
- eterno – válido para todas as épocas;
- imutável – natureza humana não se modifica;
- universal – comum a todos os povos.
Isto porque, sendo a natureza humana a grande fonte desses Direitos, ela é fundamentalmente, a mesma em todos os lugares.
O jusnaturalismo é um meio ou instrumento utilizado por seus seguidores para atacar todas as formas de totalitarismo.
Direito Natural: “É o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e suprema”.
Na declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, os franceses colocam o Direito Natural como limite do poder legislativo.
“O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis do homem.” - art. 2º
Com o positivismo (séc. XIX), o Direito Natural cai no ostracismo.
Positivistas => Todo conhecimento deve ser baseado nos fatos e na realidade concreta do homem => Surge o termo Direito Positivo => Vale o que está escrito
O Direito Natural volta à cena através do neotomismo (revigoramento dos ensinamentos de Santo Tomás de Aquino)
• Le Fur
audição, visão, olfato, paladar, tato
Sentidos do Homem
verdade, belo, útil, bem, justo (este último é o mais importante)
Com base no sentido do justo, elegeu três princípios fundamentais:
1. Respeitar os contratos livremente feitos;
2. Reparar o prejuízo injustamente causado;
3. Respeitar a autoridade pública.
Princípios fundamentais => Direito justo => Bem comum
Para Le Fur, Direito Natural tem sua essência no Direito Justo, e este seria imutável no tempo e no espaço.
Para Paulo Dourado de Gusmão, o ponto comum de todas as teorias é a concreta crença na existência e vigência de um Direito (ou princípios morais), cuja finalidade fundamental é a proteção da pessoa humana contra os abusos do poder.
Contudo, outras forças além do Direito Natural atuam na formação do Direito Positivo. Ora fazendo nascerem leis justas, ora criando leis que afrontam os ideais de justiça.
Nota: Machado Neto dá o jusnaturalismo como totalmente superado:
(...) o Direito Natural, longe de ser ciência, era apenas ideologia, tolerável num tempo em que os instrumentos teóricos da filosofia não tinham ainda sido convenientemente elaborados para a exploração fecunda do problema dos valores, e hoje inteiramente superada pela fundamentação axiológica jurídica (...)
Miguel Reale coloca o Direito Natural em termos de axiologia:
A experiência histórica demonstra que há determinados valores que, uma vez trazidos à consciência histórica, se revelam ser constantes éticas inamovíveis que, embora ainda não percebidas pelo intelecto, já condicionavam e davam sentido à práxis humana.
Conceito de Direito Positivo:
Na visão de Paulo Dourado de Gusmão (Introdução ao Estudo do Direito, ed. Forense, RJ), a expressão direito positivo: “não tem muito sentido, pois, se positivo, é o que é real, certo, fora de qualquer dúvida; o direito só pode ser positivo na medida em que é sancionado pelo Poder Público (direito legislado) ou criado pelos costumes ou reconhecido pelo Estado ou pelo consenso das nações (direito internacional)”.
Mas, como se tornou tradicional tal adjetivação do direito, somos obrigados a nos pronunciar sobre o direito positivo. “É o direito vigente, garantido por sanções, coercitivamente aplicado ou, então, o direito vigente aplicado coercitivamente pelas autoridades do Estado e pelas organizações internacionais quando inobservado”. (Paulo Dourado de Gusmão, ob. cit.).
É, de fato, o direito que, historicamente, é obrigatório para todos. Promulgado no caso da lei; declarado pelos tribunais, no caso do direito norte-americano, contido, nesse caso, em precedentes judiciais; estabelecido por consenso das nações em tratados no caso do direito internacional.
Precisando o pensamento do Prof. Paulo Dourado de Gusmão o direito positivo “é o direito vigente, histórico, efetivamente observado passível de ser impostos coercitivamente, encontrados em leis, códigos, tratados internacionais, costumes, resoluções, regulamentos, decretos, decisões dos tribunais, etc.”. É, desta forma, o direito determinável na história de um país com pouca margem de erro, por se encontrar em documentos históricos (códigos, leis, compilações de costume, repertórios de jurisprudência, tratados internacionais, etc.). É portanto, o direito vigente ou que teve vigência. É direito positivo tanto vigente como o que vigorou no passado longínquo, como, por exemplo, o Código de Hamurabi ou o Direito Romano.
Dissemos que o direito positivo é declarado ou reconhecido pelo Estado, através de suas próprias fontes, ou resulta das demais fontes, sem conflito com as fontes estatais.
Este poder de ditar o Direito Positivo e fazê-lo observar, é o que se denomina soberania. Não é senão o “poder originário de declarar, em última instância, a positividade do Direito” (Miguel Reale).
Dessa forma, soberania e positividade do Direito são dois conceitos que se exigem reciprocamente: “soberano diz-se do poder que, em última instância, põe ou reconhece o direito positivo; direito “positivo” é, por excelência, aquele que tem, para garanti-lo, o poder soberano do Estado.
Direito Objetivo:
É o conjunto, em si, das normas jurídicas escritas e não escritas, independente do momento do seu exercício e aplicação concreta.
Direito objetivo é o conjunto de normas jurídicas impostas ao homem com fim de satisfazer aos seus interesses. Significa norma agendi. É o direito enquanto norma.
O direito objetivo é expresso através de modelos abstratos de conduta. São modelos normativos genéricos que não individualizam as pessoas neles envolvidas.
Direito Subjetivo:
As regras jurídicas têm, como seus destinatários, sempre as pessoas que compõem a sociedade. Resta, agora, esclarecer em que consiste essa possibilidade que têm as pessoas físicas e jurídicas de ser, de pretender, ou de agir com referência ao sistema de regras jurídicas em um determinado País. É este o problema do direito subjetivo, ou, mais amplamente, das situações subjetivas.
A primeira doutrina é de autoria de Windscheid, jurista que se notabilizou no século passado pelos seus profundos conhecimentos de Direito Romano, e pela sua extraordinária capacidade de transpor os princípios romanísticos para a ciência jurídica contemporânea.
Sustentava Windscheid que o direito subjetivo é sempre uma extensão da vontade. O homem sabe, quer e age. O direito subjetivo, portanto, é à vontade juridicamente protegida.
Entretanto, essa teoria se esbarra em algumas dificuldades intransponíveis, entre elas temos como exemplo: aos incapazes e mesmo aos nascituros correspondem direitos, sem que, evidentemente, possam ser eles considerados “expressão de sua vontade”, tanto assim que são exercidos por seus representantes, quando não por órgãos do Estado; outro exemplo interessante é a transferência dos bens para os herdeiros no instante mesmo em que se verifica o falecimento da pessoa.
Depois da doutrina de Windscheid aparece a de Jhering. Este grande jurisconsulto sustentava que a essência do direito subjetivo não é à vontade, mas, sim, o interesse. Tomava Jhering a palavra “interesse” no sentido mais lato possível, indicando tanto o interesse para as cousas concretas e materiais, como para as de natureza ideal ou intelectual, como seria, por exemplo, o interesse por uma obra de arte. O direito subjetivo, segundo Jhering, é o interesse juridicamente protegido.
Também contra a teoria de Jhering foram formuladas críticas procedentes. Em primeiro lugar, lembrou-se que a palavra “interesse” é de acepção tão ampla, tão genérica que nos deixa em plena indeterminação. Nada há mais vago do que aquilo que interessa. Em segundo lugar, nem tudo o que interessa, embora juridicamente protegido, envolve o aparecimento do direito subjetivo.
Thon, jurista alemão, lembrou que o direito subjetivo é mais a proteção do interesse do que o interesse protegido, mais as grades que circundam e guardam o jardim, do que o jardim cercado pelas grades.
A terceira teoria desenvolvida por Del Vecchio acerca do direito subjetivo é a eclética, fundamentando o conceito de direito subjetivo nos dois elementos (vontade + interesse), motivo pelo qual ele dizia: direito subjetivo é o interesse protegido que dá a alguém a possibilidade de agir. É, portanto, o interesse protegido enquanto atribui a alguém um poder de querer.
Essa teoria, entretanto, não vence as objeções formuladas contra cada uma de suas partes. O ecletismo é sempre uma soma de problemas, sem solução pás as dificuldades que continuam nas raízes das respostas, pretensamente superadas.
No posicionamento de Hans Kelsen o direito subjetivo não é senão uma expressão do dever jurídico, ou, por outras palavras, um reflexo daquilo que é devido por alguém em virtude de uma regra de direito.
Conclui ele, o direito subjetivo não é senão a norma mesma enquanto atribui a alguém o poder jurídico correspondente ao dever que nela se contém. Pode, assim, ser visto como “a norma enquanto referida a um sujeito”.
Conforme Miguel Reale, direito subjetivo no sentido específico e próprio deste termo, só existe quando a situação subjetiva implica a possibilidade de uma pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação ou de um ato de outrem. O núcleo do conceito de direito subjetivo é a pretensão, a qual pressupõe que sejam correspectivos aquilo que é pretendido por um sujeito e aquilo que é devido pelo outro ou pelo menos entre a pretensão do titular do direito subjetivo e o comportamento exigido de outrem haja certa proporcionalidade compatível com a regra de direito aplicável à espécie.
Desse modo, a pretensão é o elemento conectivo entre o modelo normativo e a experiência concreta, mesmo porque a norma, exatamente por ser um modelo destinado à realidade social, não difere desta a não ser por um grau de abstração, na medida em que ela foi instaurada à vista da realidade mesma, como expressão objetiva do que nela deve ser declarado obrigatório.
O direito subjetivo vive da complementaridade desses dois momentos e com eles se confunde, consubstanciando uma proporcionalidade entre pretensão e garantia.
Daí podermos dizer, numa noção destinada a reunir os elementos essenciais do problema, que direito subjetivo é a possibilidade de exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio.
Direito subjetivo é o poder de exigir uma determinada conduta de outrem, conferido pelo direito objetivo, pela norma jurídica.
A relação jurídica vincula, a partir da ocorrência de certo fato, duas ou mais pessoas, criando direitos para uma delas e deveres para outra. O direito subjetivo é exatamente o poder conferido à primeira de exigir que a outra parte cumpra aqueles deveres determinados nas normas.
O direito subjetivo sempre nasce de um fato, que, por estar inserido no ordenamento jurídico, chamamos de fato jurídico. Com a ocorrência do fato, a norma, colocada abstratamente no direito objetivo, se materializa, dando origem à pretensão.
Assim, ao ocorrer um acidente de trânsito, surge para a vítima a pretensão, ou o poder de exigir, a reparação do dano por aquele que lhe deu causa, titular do dever jurídico correlato.
Elementos do direito subjetivo:
Sujeito => Pessoa humana ou pessoa jurídica
Objeto => O bem jurídico sobre o qual o sujeito exerce o poder conferido pela ordem jurídica
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 5
Matéria a ser desenvolvida: Diferenças entre Direito Público e o Direito Privado. Principais ramos do Direito Público: Constitucional, Administrativo, Tributário, Penal, Processual Civil e Penal. A questão do Direito do Trabalho. Ramos do Direito Privado: Civil e Empresarial
Diferenças entre Direito Público e o Direito Privado
A primeira divisão que encontramos na história da Ciência do Direito é feita pelos romanos, entre Direito Público (Estado) e Privado (particular).
Poderá prevalecer, hoje em dia, uma distinção fundada na contraposição entre a utilidade privada e a pública?
O estado cobre, atualmente, a sociedade inteira, visando a proteger a universalidade dos indivíduos, crescendo, dia a dia, a inferência dos poderes públicos, mesmo fora da órbita dos Estados socialistas, ou, para melhor dizer, comunistas, onde se apagam cada vez mais as distinções entre o que cabe ao Estado e o que é garantido permanentemente aos cidadãos como tais.
Há duas maneiras complementares de fazer-se a distinção entre Direito Público e Privado, uma atendendo ao conteúdo; a outra com base no elemento formal.
Quanto ao conteúdo ou objeto da relação jurídica, devemos observar o seguinte:
- quando é visado imediata e prevalecente o interesse geral, o Direito é Público;
- quando é visado imediata e prevalecente o interesse particular, o Direito é Privado;
Quanto à forma da relação, devemos observar o seguinte:
- se a relação é de coordenação, trata-se, geralmente, de Direito Privado;
- se a relação é de subordinação, trata-se, geralmente, de Direito Público.
Como exemplo de coordenação, temos a compra e venda, pois tanto o vendedor como comprador se encontram na mesma situação.
Ao lado das relações coordenação, temos as relações de subordinação, onde o Estado aparece em posição eminente, institucional, ou seja, manifestando a sua autoridade organizada.
Principais ramos do Direito Público: Constitucional, Administrativo, Tributário, Penal, Processual Civil e Penal.
- Direito Constitucional
O Direito Constitucional tem por objeto o sistema de regras referente à organização do Estado, no tocante à distribuição das esferas de competência do poder político, assim como no concernente aos direitos fundamentais dos indivíduos para como o Estado, ou como membros da comunidade política.
Nas Constituições contemporâneas, ao invés de se disciplinar primeiro a organização do Estado, os poderes do Estado são estatuídos em função dos imperativos da sociedade civil, isto é, em razão dos indivíduos e dos grupos naturais que compõem a comunidade. Por outras palavras, o social prevalece sobre o estatal.
As normas constitucionais são as normas supremas, as quais todas as outras têm de se adequar, a Constituição, que delimita as esferas de ação do Estado e dos particulares.
- Direito Administrativo
Dos três poderes, um existe, cuja função primordial é executar serviços públicos em benefício da coletividade, sendo este o Poder Executivo.
Os serviços públicos são, por conseguinte, os meios e processos através dos quais a autoridade estatal procura satisfazer às aspirações comuns da convivência.
O Direito administrativo tem por objeto o sistema de princípios e regras, relativos à realização de serviços públicos, destinados à satisfação de um interesse que, de maneira direta e prevalecente, é do próprio Estado.
- Direito Financeiro e Tributário
O direito financeiro é uma disciplina que tem por objeto toda a atividade financeira do Estado concernente à realização da receita e despesa necessárias à execução do interesse da coletividade.
O direito tributário disciplina às relações entre o Fisco e os contribuintes, tendo como objeto primordial o campo das receitas de caráter compulsório, isto é, as relativas à imposição, fiscalização e arrecadação de impostos, taxas e contribuições, determinando-se, de maneira complementar os poderes do Estado e a situação subjetiva dos contribuintes, como complexo de direitos e deveres.
- Direito Processual
Pelo Direito Processual o Estado também presta um serviço, porquanto dirime as questões que surgem entre os indivíduos e os grupos. O juiz, no ato de prolatar uma sentença, sempre o faz em nome do Estado. A jurisdição, que é o ato através do qual o Poder Judiciário se pronuncia sobre o objeto de uma demanda, é indiscutivelmente um serviço público.
O Direito Processual objetiva, pois, o sistema de princípios e regras; mediante os quais se obtém e se realiza a prestação jurisdicional do Estado necessária à solução dos conflitos de interesses surgidos entre particulares, ou entre estes e o próprio Estado.
O Direito Processual discrimina-se em duas subespécies ou categorias, que são o Direito Processual Civil, destinado à solução dos conflitos que surgem nas atividades de ordem privada, de caráter civil ou comercial e o Direito Processual Penal, que regula a forma pela qual o Estado resolve os conflitos surgidos em razão de infrações da lei penal.
- Direito Penal
O Direito penal é o sistema de princípios e regras mediante os quais se tipificam as formas de conduta consideradas criminosas, e para as quais se tipificam as formas de conduta consideradas criminosas, a para as quais são cominadas, de maneira precisa e prévia, penas ou medidas de segurança, visando a objetivos determinados.
Dada a natureza, que envolve o problema substancial da liberdade humana, o ordenamento jurídico penal se distingue dos demais pelos princípios da legalidade estrita e da tipicidade.
- Direito Internacional Público e Privado
O Direito Internacional tem por objeto de estudo a experiência jurídica correspondente à comunidade internacional e seu ordenamento jurídico.
Quanto à compreensão do Direito Internacional Público existem duas teorias a monista (subordina toda a experiência jurídica ao ordenamento internacional); e a dualista (afirma a existência de dois ordenamentos complementares, o dos Estados e o ordenamento internacional).
O Direito Internacional Privado não possui regras que disciplinem as relações entre as pessoas, mas sim regras destinadas a determinar quais as regras que devem ser aplicadas para disciplinar àquelas relações (sobre-direito).
A questão do Direito do Trabalho
Embora neste ponto as divergências sejam muito grandes, preferimos situar na tela do Direito Público o Direito do Trabalho, pois constitui-se como sistema de princípios e regras destinados a disciplinar as relações entre empregadores e empregados. Quando o Estado disciplina as formas de prestação do trabalho, ou da previdência social, ou, então quando disciplina os contratos coletivos, ou institui fundos de garantia, ou normas processuais, ele interfere na sua qualidade fundamental de poder soberano, estabelecendo o equilíbrio entre as partes interessadas e impondo soluções a que os particulares estão todos sujeitos (relação de subordinação).
Os que defendem o Direito do Trabalho como Direito Privado, argumentam que as regras de Direito e Comercial, que atendem de maneira satisfatória o mundo da produção, atenderiam também de maneira satisfatória as relações de trabalho.
Existe, ainda uma terceira teoria que defende o direito do trabalho como um “tertium genus”, uma terceira espécie do Direito, posto entre o Direito Público e o Privado, ressalta-se que o direito do trabalho se caracteriza de maneira bem clara, como um dos campos em que as relações se distinguem pelo seu elemento publicístico de defesa não do trabalho de per si, apenas, mas do trabalhador como elemento integrante da coletividade.
Ramos do Direito Privado: Civil e Empresarial
Os romanos não distinguiam o Direito Civil do Comercial: todas as relações de ordem privada continham-se no jus civile ou, então, nos jus gentium, que era relativo aos estrangeiros ou às relações entre romanos e estrangeiros.
O direito civil regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e as suas relações (art. 1º CC).
Apesar do caráter privado o direito civil está passando por um período chamado de socialização ou humanização do Direito, que estabelece a função social dos direitos sociais civis, da propriedade e dos negócios jurídicos (atos e contratos de natureza civil ou econômico-empresarial), a fim de que se conciliem as exigências do todo coletivo com os citados poderes conferidos aos indivíduos.
O Código Civil abrange: direitos pessoais, obrigacionais, associativos, reais, família, sucessão.
O Direito Empresarial apesar de ser um desdobramento do direito civil, relaciona-se esse ao regramento da atividade econômica habitualmente destinada à circulação das riquezas, mediante bens ou serviços, implicando uma estrutura de natureza empresarial.
Temos como características básicas do direito Empresarial as seguintes:
- autonomia da vontade expressa, dinamicamente, numa atividade negocial, com propósito de lucros;
- estrutura empresarial;
- garantia e certeza da circulação e do crédito.
A unificação do Direito Civil no Brasil partiu da idéia de Teixeira de Freitas, que à época do Império recebeu a incumbência de elaborar um Código Civil, concluindo seu trabalho em 4.098 artigos no monumental esboço de Código Civil, declarou haver chegado à conclusão de que as obrigações civis e mercantis deviam ser disciplinadas num só Código.
Nota: Síntese da obra Lições Preliminares de Direito, Miguel Reale, ed. Saraiva, São Paulo.
Direito Público, Direito Privado e suas Divisões
Segundo San Tiago Dantas, o Direito Clássico Romano dividia-se da seguinte forma:
ius civile - Em vigor no Império (engloba o direito público e o direito privado)
ius gentium – Forma-se naturalmente em qualquer agregado humano,
Direito Romano surge espontaneamente
(divisão clássica) como um Direito que lhes é peculiar
ius naturale - Acima das divisões entre os povos (fonte de inspiração para toda e qualquer legislação)
Com a queda do Império Romano, a expressão Direito Civil passa a indicar todo aquele Direito Privado elaborado pelos romanos e que estava consubstanciado em seus monumentos legislativos que compunham o Corpus Juris Civilis.
Daí em diante, o Direito Civil seria sinônimo de Direito Privado, continuando a ser Direito Público as demais normas que diziam respeito à organização do Estado e onde havia a predominância de seus interesses.
Nos fins da Idade Média, na época de transição para o Renascimento, há uma quebra do Direito Privado, resultante do agrupamento de comerciantes em corporações profissionais.
Como os Romanos já distinguiam dentro do jus civile o Direito Público e o Direito Privado, pois como dizia Ulpiano “Direito Público é o que diz respeito ao Estado Romano e Direito Privado atende aos interesses de cada um (...)”, permaneceu esta distinção até os dias atuais.
Nem todos os autores dividem o Direito entre Público e Privado, resultando diferentes teorias:
1 Teorias Monistas
1.1 Existência exclusiva do Direito Público (Hans Kelsen)
Todo direito é público por excelência. As relações jurídicas existentes se apoiam na vontade do Estado, já que este é o responsável direto e imediato pela segurança e harmonia social.
Assim, todas as formas de produção jurídica se apoiam na vontade do Estado, inclusive os negócios jurídicos firmados entre os particulares, que apenas realizam a individualização de uma norma geral.
A propósito, sustenta Jellinek que “o Direito Privado só é possível porque existe o Direito Público.”
1.2. Existência exclusiva do Direito Privado (Rosmini e Ravà)
Direito Privado => Único durante séculos => Nível de aperfeiçoamento não atingido, ainda, pelo Direito Público
Observações:
Liberalismo => Prevalência do Direito Privado sobre o Público. O Direito Público é uma forma de proteção ao Direito Privado, especialmente ao direito de propriedade.
Anarquismo => Privatização absoluta do direito.
Socialismo => Publicização do Direito, com reduzida parcela das relações sob o domínio do Direito Privado.
2 Teorias Dualistas:
2.1 Substancialistas (conteúdo da norma jurídica)
2.2 Formalistas (forma com que a relação jurídica é desenvolvida)
2.1 Substancialistas
a) Teoria do Interesse em Jogo ou Teoria Clássica ou Teoria Romana - o direito será público ou privado de acordo com a predominância dos interesses.
“Direito Público é o que se liga ao interesse do Estado romano; Privado, o que corresponde à utilidade dos particulares” (Ulpiano)
Crítica - Tudo o que interessa ao Estado há de interessar aos seus cidadãos e tudo o que interessa aos cidadãos, de certa forma, interessa ao Estado.
Dernburg => Predominância do interesse do Estado x Predominância dos interesses particulares
b) Teoria do Fim
Finalidade do Direito => Estado = Direito Público
Finalidade do Direito => Indivíduo = Direito Privado
Crítica - Quando o Estado adquire um bem imóvel, as normas reguladoras serão de Direito Privado, segundo o Código Civil
2. 2 Formalistas
a) Teoria do Titular da Ação
Iniciativa da ação pelo Estado => Direito Público
Iniciativa da ação pelo particular => Direito Privado
Crítica - Há normas de Direito Público que, sendo violadas, impõem a iniciativa privada para que se restabeleça a ordem. Assim, não é a natureza da ação que determina o caráter da norma, o verdadeiro é o inverso.
b) Teoria da Natureza da Relação Jurídica
Poder Público participando da relação jurídica investido de seu imperium, impondo sua vontade => Relação de subordinação => Direito Público
Particulares num mesmo plano de igualdade na relação jurídica => Relação de coordenação => Direito Privado
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 6
Matéria a ser desenvolvida: Fontes do Direito. Conceito de Fontes do Direito. Distinção entre Fontes Materiais e Formais do Direito. A Lei. Os Costumes. O Papel da Doutrina e da Jurisprudência.
Fontes do Direito. Conceito de Fontes do Direito. Distinção entre Fontes Materiais e Formais do Direito
Preliminarmente, é necessário advertir que a antiga distinção entre fonte formal e fonte material do direito tem sido objeto de grandes equívocos nos domínios da ciência jurídica, tornando-se indispensável empregarmos o termo fonte do direito para indicar apenas os processos de produção de normas jurídicas.
O que se costuma dizer com o termo fonte material não é outra coisa senão o estudo filosófico ou sociológico dos motivos éticos ou dos fatos econômicos que condicionam o aparecimento e as transformações das regras de direito.
Na lição de Miguel Reale, “por fonte do direito designa-se os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa”.
Continuando sua posição temos que: “toda fonte de direito implica uma estrutura normativa de poder, pois a gênese de qualquer regra de direito, só ocorre em virtude da interferência de um centro de poder, o qual, diante de um complexo de fatos e valores, opta por dada solução normativa com característica de objetividade”.
Partindo desse conceito, quatros são as fontes de direito, porque quatros são as formas de poder: o processo legislativo, expressão do Poder Legislativo; a jurisdição, que corresponde a Poder Judiciário; os usos e costumes jurídicos, que exprimem o poder social, ou seja, o poder decisório anônimo do povo; e, finalmente, a fonte negocial, expressão do poder negocial ou da autonomia da vontade.
Mesmo quando a espécie humana começou a ter vaga noção dessas distinções, o Direito foi, durante milênios, pura e simplesmente uma confusão de usos e costumes.
Como podemos observar, o Direito costumeiro é um direito anônimo por excelência, é um direito sem paternidade, que vai se consolidando em virtude das forças da imitação, do hábito, ou de comportamentos exemplares.
Numa perspectiva histórica, verificamos que os romanos não constituíram em doutrinar o Direito, mas em vivê-lo. Contudo, é em Roma que a consciência da jurisdição surge de forma clara e concreta, por estar presa cada vez mais a um sistema objetivo de regras de competência e de conduta.
Após tais considerações, podemos afirmar que, no mundo romano, o Direito Jurisprudencial consegue adquirir uma posição permanente, passando o Direito costumeiro para o segundo plano.
Na Idade Medieval, pelos trabalhos dos glosadores a Ciência Jurídica foi se reconstruindo lentamente até a época do Renascimento e das grandes descobertas, quando já surgem outras escolas e outros pensadores, desenvolvendo idéias que estavam apenas esboçadas no mundo romano.
A época moderna assinala-se por um grande impulso do indivíduo no sentido de sua própria afirmação. No mesmo momento em que o homem se aventura pelos mares para descobrir continentes, ele também aprimora os seus meios de domínio das forças da natureza. Não se contenta mais com a vida municipal.
Com o avanço da indústria, da técnica, do comércio, com aquilo que se pode denominar de início do capitalismo ou da civilização capitalista, o Direito costumeiro não era mais suficiente. Os monarcas sentiram necessidade de fazer a coordenação ou ordenação das leis dispersas, bem como das regras costumeiras vigentes, que tinham o grande defeito de ser desconexas ou particularistas. Apareceram, dessa forma, as primeiras consolidações de leis e normas costumeiras, que tomaram o nome de Ordenações, por serem o resultado de uma ordem do rei.
“Nesse século, com reflexos poderosos em outros países, pensou-se em lançar a base de uma Ciência Jurídica de caráter puramente racional, nos moldes pregados pelos “jusnaturalistas”, ou seja, pelos adeptos de um Direito Natural puramente racional, até o extremo de pretenderem, que, acima do Direito Positivo, haveria um outro Direito, ideal, expressão mesma da razão humana. Era, como facilmente se percebe, um clima espiritual propício a compreensão da lei como fonte por excelência do Direito. Verifica-se então, de certa forma, um desprezo pelo imediato e concreto, importando numa reação contra o Direito costumeiro, que era eminentemente particularista e local, apegado ao fatual e envolvido nas malhas de inveterados privilégios” (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, ed. Saraiva, São Paulo, 2001).
É nessa época e nesse clima histórico que aparecem os primeiros Códigos Modernos.
Com o advento da Revolução Francesa, aparece uma realidade histórica de cuja relevância muitas vezes nos esquecemos: o Direito Nacional, um direito único para cada nação, direito este perante o qual todos são iguais. O princípio da igualdade perante a lei pressupõe um outro: o da existência de um único direito para todos que habitam num mesmo território.
“Com o predomínio do processo legislativo; ou do processo jurisdicional, correspondentes às duas áreas culturais básicas do mundo contemporâneo, prevalecem neste as fonte de direito de natureza estatal sobre as de caráter puramente social, sem que este fato importe no olvido da grande importância do direito constituído graças às atividades desenvolvidas pela coletividade, de maneira autônoma, nos planos religiosos, econômico, esportivo, etc. É indispensável, todavia, que haja correspondência cada vez mais adequada e fiel entre os ideais e as exigências da sociedade civil e o ordenamento jurídico do Estado” (Miguel Reale, ob. cit.).
“Nada assegura mais a obediência às leis do que a justiça que nelas seja declarada como fim próprio. Onde a importância fundamental do estudo do “processo legislativo” em confronto com a experiência do direito consuetudinário, ou seja, os usos e os costumes jurídicos” (Miguel Reale, ob. cit.).
Após as considerações conceituais obtidas da doutrina do Prof. Miguel Reale, passaremos a expor outras concepções sobre a questão ora examinada:
Para o Prof. Arnaldo Rizatto Nunes, as fontes materiais são a realidade social, isto é, o conjunto de fatos sociais que contribuem para a formação do conteúdo do direito. São os valores que o direito procura realizar, fundamentalmente sintetizados no conceito amplo de justiça.
As fontes formais são os fatos que dão a uma regra o caráter de direito positivo e obrigatório, das fontes materiais, representadas pelos elementos que concorrem para a formação do conteúdo ou matéria da norma jurídica. Ex: legislação, costume, jurisprudência e doutrina.
A Lei. Os Costumes. O Papel da Doutrina e da Jurisprudência.
A diferença entre a lei e os costumes pode ser traçada segundo vários critérios. Quanto à origem, a da lei è sempre certa e determinada. Há sempre um momento no tempo, e um órgão do qual emana o Direito legislado.
O Direito consuetudinário contrariamente não tem origem certa, nem se localiza ou é suscetível de localizar-se de maneira predeterminada. Geralmente não sabemos onde e como surge determinado uso ou hábito social, que, aos poucos, se converte em hábito jurídico, em uso jurídico.
A segunda característica é quanto à forma de elaboração. A lei não só se origina de um órgão certo como, na sua formação, obedece a trâmites prefixados.
Os usos e costumes jurídicos surgem na sociedade da forma mais imprevista; ninguém poderia predeterminar os processos reveladores dos usos e costumes. Ora é um ato consciente de um homem que, por atender a exigência social, passa a ser imitado e repetido, até transformar-se em um ato consciente no todo social; às vezes, é uma simples casualidade, que sugere uma solução no plano da conduta humana.
Comumente de diz que a lei se diferencia do costume também quanto à extensão ou âmbito de eficácia. Alude-se, no mais das vezes, a generalidade da lei, ou seja, possui um elemento de universalidade, enquanto que a maioria dos costumes são particulares, atendendo a uma categoria de pessoas ou de atos, bem como a situações locais, de um Município ou de uma região. Na realidade, assim como há leis desprovidas de generalidade, também há costumes genéricos, como os que vigoram no Direito Internacional.
Quanto à forma, é com o devido zelo que dizemos que a lei é sempre escrita, enquanto que o direito costumeiro é Direito não escrito. Caso há, com efeito, em que o direito costumeiro é consolidado e publicado por iniciativa de órgãos administrativos (Junta Comercial).
No que respeita ao direito costumeiro propriamente dito, não é possível a determinação do tempo de sua duração, nem tampouco se prever a forma pela qual vai operar-se a sua extinção. As regras de Direito costumeiro perdem a sua vigência pelo desuso, pois a sua vigência é mera decorrência de sua eficácia. Na vida da norma legal, a vigência é prius; a eficácia é posterius. Em se tratando de regra costumeira, dá-se o contrário, pois, a vigência deflui da eficácia.
Os costumes são formados a partir da conjugação de dois elementos fundamentais: um é a repetição habitual de um comportamento durante certo período de tempo (elemento objetivo); o outro é a consciência social da obrigatoriedade desse comportamento (elemento subjetivo).
O primeiro desses elementos é dito objetivo. Pois diz respeito à repetição de um comportamento de maneira habitual; o segundo elemento é chamado subjetivo, visto que está ligado a atitude espiritual dos homens, considerando tal conduta como necessária ou conveniente ao interesse social.
De forma mais objetiva poderíamos dizer que um costume adquire a qualidade de costume jurídico quando passa a referir intencionalmente a valores do Direito, tanto para realizar um valor positivo, considerado de interesse social, como para impedir a ocorrência de um valor negativo, de um desvalor.
Promulgada em 1942, a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º determina que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
As leis éticas, contudo, quando estabelecem diretivas de comportamento, pautando objetivamente as formas de conduta, consoante também já foi exposto, se denominam propriamente normas, abrangendo as normas morais, as jurídicas e as de trato social, também chamadas de costume social.
Quando, nos domínio do Direito, se emprega o termo lei o que se quer significar é uma regra ou um conjunto ordenado de regras.
Lei, no sentido técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou, esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinado comportamentos individuais ou atividades públicas.
O Papel da Jurisprudência.
Pela expressão jurisprudência (stricto sensu) devemos entender a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais.
Para que se possa falar em jurisprudência de um Tribunal, é necessário certo número de decisões que coincidam quanto à substância das questões objeto de seu pronunciamento.
Numa compreensão concreta da experiência jurídica, como á a teoria tridimensional do Direito, não tem sentido continuar a apresentar a jurisprudência ou o costume como fontes acessórias ou secundárias.
Na lição de Miguel Reale “o que interessa não é o signo verbal da norma, mas sim a sua significação, o seu conteúdo significativo, o qual varia em função de mudanças operadas no plano dos valores e dos fatos. Muito mais vezes do que se pensa uma norma legal sofre variações de sentido, o que com expressão técnica se denomina “variações semânticas”. As regras jurídicas, sobretudo as que prevêem, de maneira genérica, as classes possíveis de ações e as respectivas conseqüências e sanções, possuem uma certa elasticidade semântica, comportando sua progressiva ou dinâmica aplicação a fatos sociais nem sequer suspeitados pelo legislador”.
Nem sempre a lei diz a mesma coisa. Uma vez publicada, ela se destaca da pessoa do legislador, para se integrar no processo social como um de seus elementos fundamentais. A lei vai variando de sentido em função de múltiplos fatores, pois uma circunstância de ordem técnica imprevista pode alterar completamente a significação e o conteúdo de um texto legal, o mesmo ocorrendo quando se altera a tábua dos valores de aferição da realidade social.
Podemos dizer, como o civilista italiano Ludovico Barassi, que a lei destaca da pessoa do legislador como uma criança se liberta do ventre materno a fim de ter vida própria, mudando sob a influência do meio ambiente.
É da própria natureza da jurisprudência a possibilidade desses contrastes, que dão lugar a formas técnicas cada vez mais aperfeiçoadas de sua unificação.
A sentença é antes de mais nada um processo de estimativa do fato para situar, em função dele, os textos legais aplicáveis a hipótese em apreço.
Acrescenta o novo Código de Processo Civil, consagrando e estendendo a todos os tribunais do País o que já era norma vigente no Supremo Tribunal Federal, que o julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.
São as súmulas do Supremo Tribunal Federal, que periodicamente vêm sendo atualizadas, constituindo, não um simples repertório de emendas e acórdãos, mas sim um sistema de normas jurisprudenciais a que a Corte, em princípio, subordina os seus arestos.
As súmulas são sempre passíveis de revisão pela própria Corte Suprema, e não tem força obrigatória sobre os demais juízes e tribunais, os quais conservam íntegro o poder-dever de julgar segundo as suas convicções.
O juiz é autônomo na interpretação e aplicação da lei, não sendo obrigado a respeitar, em suas sentenças, o que os tribunais inferiores ou superiores hajam consagrado como sendo de direito.
As Súmulas vinculantes
As súmulas vinculantes são criadas única e exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Seu caráter vinculante obriga a todos os tribunais inferiores; o Poder Executivo em todas as esferas do poder (Federal, Estadual, Distrital e Municipal); as Autarquias, Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Entretanto, não apresenta poder vinculante em relação ao próprio STF e nem ao Poder Legislativo, pois este pode editar lei contrária à Súmula.
Para que uma súmula se torne vinculante, a mesma deve atender a dois requisitos objetivos:
1 – ser matéria controversa que vem gerando decisões contraditórias nos Tribunais inferiores;
2 – ser aprovada por 2/3 (dois terços) do total membros do STF (onze Ministros).
O Papel da Doutrina
A doutrina era chamada, pelo grande Savigny, de Direito Científico ou Direito dos Juristas.
Enquanto as fontes revelam modelos jurídicos que vinculam os comportamentos, a doutrina produz modelos dogmáticos, isto é, esquemas teóricos, cuja finalidade é determinar: a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos; b) que é que estes modelos significam; e c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e sistemas, ou seja, modelos de mais amplo repertório.
O denominado “Estado de Direito” não é o que torna jurídicas todas as atividades do Estado, mas sim aquele no qual todas as ações do Estado se fundam em normas jurídicas que as legitimam.
Nestes termos, a lei, que é fonte mais geral do Direito, não pode atingir a sua plenitude de significado sem ter, como antecedente lógico e necessário, o trabalho científico dos juristas e muito menos se atualizar sem a participação da doutrina.
Bastará dizer que o direito é uma ciência dogmática, não por se basear em verdades indiscutíveis, mas sim porque a doutrina jurídica se desenvolve a partir das normas vigentes, isto é, do direito positivo: etimologicamente “dogma” significa aquilo que é posto ou estabelecido por quem tenha autoridade para fazê-lo.
“Os fatos sociais são jurídicos se inseridos num contexto normativo”.
A doutrina, por conseguinte, não é fonte do direito, mas nem por isso deixa de ser uma das molas propulsoras, e a mais racional das forças diretoras, do ordenamento jurídico.
O Direito garante a paz e a harmonia da sociedade, propiciando sua sobrevivência, mediante a proteção de valores sociais, efetivada pela da norma jurídica.
Questões:
1. Quando, onde e por que surgem estes mandamentos jurídicos?
2. Como eles nascem e o que os fazem surgir no cenário social?
O nascimento das normas jurídicas pode ser visto por duas óticas distintas:
1. Sociologia Jurídica - surgimento da norma como fenômeno social.
2. Jurídica - processo legal de formação da lei (apresentação do projeto de lei, votação, revisão, sanção, promulgação e publicação)
Pela ótica da Sociologia Jurídica => Ponto nuclear => Valor social
VALOR: É tudo aquilo que é desejável . (Dicionário de Filosofia)
Ex.: Tudo aquilo que é desejável no campo da religião chamamos de valores religiosos.
Chamamos de valores morais tudo aquilo que é desejável na busca natural do homem pela realização do bem.
Se as normas éticas (religião, moral, direito, tratos sociais) são normas sociais, pois giram em torno da sociedade, os valores por elas protegidos são valores sociais.
Os valores religiosos se modificam => Novas normas religiosas
Os valores morais se modificam => Novas normas morais
O mesmo fenômeno ocorre com o Direito.
Ex.: Há poucos anos, não se falava em ecologia, camada de ozônio, índices tóxicos de produtos químicos, etc.
A partir das descobertas sobre a importância da preservação da natureza para o homem, nasce em seu espírito a idéia de que é desejável o controle da poluição atmosférica, quer pelo ar que respiramos, quer pela preservação da camada de ozônio. É também desejável que bebamos água mais pura e não nos alimentemos com legumes e verduras contaminadas com agrotóxicos. Para atingir estes fins, há que se coibir as ações poluidoras da atmosfera, bem como punir aqueles que despejam dejetos químicos na águas.
Necessidade humana => Novos valores a preservar => Nascimento de novas normas jurídicas
FONTES MATERIAIS E FORMAIS - FONTES DIRETAS E INDIRETAS
Fonte = Nascedouro = Ponto de origem
Estudar as Fontes do Direito significa aprofundar-se no conhecimento do ponto de origem do Direito, no seu nascedouro.
Paulo Nader divide as fontes do Direito da seguinte forma:
Diretas
1. Fontes Materiais
Indiretas
Fontes da Norma Jurídica Diretas
2. Fontes Formais
Indiretas
3. Fontes Históricas
1 - Fontes Materiais (de produção ou substanciais) - A palavra material vem de matéria, significando substância, essência, para indicar justamente aquelas fontes que têm substância.
Subdividem-se em:
• Fontes Materiais Diretas ou Imediatas - São aquelas fontes que criam diretamente as normas jurídicas, representadas pelos órgãos legiferantes:
a) o Poder Legislativo - quando elabora e faz entrar em vigor as leis;
b) o Poder Executivo - quando excepcionalmente elabora leis;
c) o Poder Judiciário - quando elabora jurisprudência, ou quando excepcionalmente legisla;
d) os doutrinadores - quando, desenvolvendo trabalhos, elaboram doutrinas utilizadas pelo aplicador da lei e
e) a própria sociedade - quando consagra determinados costumes.
• Fontes Materiais Indiretas ou Mediatas - são fatos ou fenômenos sociais que ocorrem em determinada sociedade trazendo como conseqüência o nascimento de novos valores que serão protegidos pela norma jurídica.
2 - Fontes Formais (ou de conhecimento) - são as formas de expressão do Direito. As maneiras pelas quais ele se faz conhecer.
• Fonte Formal Direta ou Imediata: a lei
• Fontes Formais Indiretas ou Mediatas: costumes, doutrina e atos regras.
Observações:
Outros autores ampliam o rol: analogia, costumes, princípios gerais do Direito, eqüidade, doutrina, jurisprudência, Direito Comparado.
Lei de Introdução ao CC, arts. 3o e 4o.
Países que seguem a tradição romano-germânica (Brasil) => Principal fonte = Lei (os costumes são fontes suplementares indiretas) => Vantagem da certeza legal
Nos Países que adotam o sistema jurídico da commom law, o costume tem grande força como fonte formal Direito. O costume se reflete nos chamados “precedentes judiciais” => Vantagem representada pela maior fidelidade dos usos e costumes às aspirações imediatas do povo.
Atos-regras - diferentes espécies da atos jurídicos que, apesar de não possuírem generalidade, atingem um contingente de indivíduos: estatutos de entidades, consórcios, contratos particulares e públicos, contratos coletivos de trabalho, etc.
3 - Fontes Históricas - são as que indicam a origem das instituições do Direito. Representam todas as legislações passadas, assim como os fundamentos jurídicos expostos na criação da norma jurídica.
Ex.: Havendo dúvidas sobre um dispositivo da Lei do Divórcio, podemos buscar seu fundamento ou esclarecimento nas leis anteriores que tratavam do instituto casamento ou no próprio Congresso Nacional, onde encontraremos reproduções de discursos que sustentavam aprovação da Lei do Divórcio, assim como a exposição de motivos do projeto dando o fundamento jurídico de sua apresentação.
Já na visão de Paulo Dourado de Gusmão, as fontes do direito podem ser assim divididas:
Materiais
Estatais Leis, Decretos, Regulamentos
Jurisprudência
Fontes do Infra-Estatais Costumes
Direito Formais Doutrina
Costumes Internacionais
Supra-Estatais
Tratados e Convenções Internacionais
Obs.: A jurisprudência poderia ser vista como fonte estatal, uma vez que os tribunais são órgãos do Estado.
1 . Fontes Materiais - Considera aqueles fatos e fenômenos sociais (econômicos, sociais, morais, políticos, etc.) que farão surgir novos valores a serem tutelados pelo Direito.
Obs.: O autor não subdivide as fontes materiais em diretas e indiretas. Cuida das fontes diretas como formais, isto é, na forma de expressão do Direito.
2 . Fontes Formais - “São as formas pelas quais o Direito Positivo se manifesta na história.”
Dividem-se em:
• Fontes Formais Estatais - São formas de expressão do Direito originadas no Estado, em regra, no Poder Legislativo. Podem ser dividas, por sua vez, em: Leis Constitucionais, Leis Complementares, Leis Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos, Regulamentos, Portarias, etc.
• Fontes Formais Infra-estatais - As que surgem independentemente do normal processo legal de formação, sem a interferência direta do Estado: jurisprudência, costumes e doutrina.
• Fontes Supra-estatais - No plano internacional, temos normas jurídicas cuja elaboração independe da vontade do Estado: os chamados costumes internacionais. Há outras em que o Estado participa da elaboração e aplicação, mas não com a mesma exclusividade que se dá no plano interno: tratados e convenções internacionais.
Lei, Costume, Doutrina e a Jurisprudência (súmula vinculante)
LEI
a) Introdução
Lei
Toda norma jurídica oriunda dos órgãos de soberania, aos quais, segundo a constituição política do Estado, é conferido o poder de ditar regras de Direito. (Ruggiero)
Obs.: A lei é fonte formal imediata de Direito, pois é a forma pela qual nos transmite seu conhecimento. A lei é continente e o Direito é conteúdo. (Art. 1o. do CC e art. 337 do CPC)
b) Etimologia:
Legere => Ler => Antigos tinham o hábito de se reunir em praças públicas, local onde afixavam as leis, para leitura e comentário dos novos atos
Ligare => Ligar => Bilateralidade da norma jurídica => Poder de exigir x dever => Ligação entre as pessoas da relação jurídica
Eligere => Escolher => O legislador escolhe, dentre as diversas opções normativas, uma para ser lei.
c) Conceitos:
Lei em sentido amplo ou em sentido lato: indica o jus scriptum. Referência genérica que inclui a lei propriamente dita (ordinária ou complementar), a medida provisória e o decreto (art. 59 da CF).
Lei em sentido estrito: é preceito comum e obrigatório, emanado do Poder Legislativo, no âmbito se sua competência.
Características substanciais: generalidade, abstratividade, bilateralidade, imperatividade e coercibilidade.
Características formais: escrita, emanada do Poder Legislativo em processo de formação regular, promulgada e publicada.
Lei em sentido formal e em sentido formal-material: em sentido formal é a que atende apenas aos requisitos de forma (processo regular de formação), faltando-lhe caracteres de conteúdo, como a generalidade ou substância jurídica.
Ex.: A aprovação, pela assembléia da Revolução Francesa, da lei que declarava a existência de Deus e a imortalidade da alma.
Em sentido formal-material, a lei deve preencher os requisitos de substância e de forma.
Lei Substantiva - Reúne normas de conduta social que definem os direitos e deveres das pessoas em suas relações.
Ex.: Direito Civil, Penal, Comercial, etc.
Lei Adjetiva - Aglutina regras de procedimento no andamento de questões forenses.
Ex.: Lei de Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, etc.
As Leis substantivas são, em regra, principais, enquanto que as adjetivas são de natureza instrumental.
Obs.: Há leis que reúnem em um corpo único regras materiais e formais, ou seja, substantivas e adjetivas, formando institutos unos. Exemplo: Lei de falências.
Lei de Ordem Pública ou Princípios de Ordem Pública - No dizer de Caio Mário, “não chegam a fazer parte do Direito Público, por faltar a participação estatal na relação jurídica, que se estabelece toda entre particulares. São, pois, princípios de Direito Privado.” Todavia, tendo em vista o interesse público em jogo, o Estado lhe dá maior relevância. Sua repercussão na vida coletiva e a imperatividade do comando estatal imprime-lhes profunda analogia ao Direito Público. Assim são reconhecidas por serem inderrogáveis pela vontade das partes e por elas irrenunciáveis.
Ex.: Prescrição e decadência, normas sobre o casamento, etc.
COSTUME
Sua noção é bem antiga, uma vez que era já conhecida por gregos e por romanos. Tem grande força no Direito Inglês, traduzindo-se a common law pela coletânea de decisões judiciais que passa a constituir modelo obrigatório para decisão dos demais casos idênticos. Tem nos precedentes judiciais do direito anglo-saxão a força de uma lei.
Costumes
Procedimentos constantes e uniformes adotados por um grupo social e, por este mesmo grupo, tidos como obrigatórios. É a prática reiterada e constante de determinados atos que acaba por gerar a mentalização de que tais atos sejam essenciais para o bem da coletividade. (Orlando de Almeida Secco)
Segundo Hermes Lima, o costume tem dois elementos constitutivos:
a. Externo (material) - uso constante e prolongado
b. Interno (psicológico, subjetivo) - reconhecimento geral de sua obrigatoriedade
secundum legem (de acordo com a lei)
Costumes praeter legem (além da lei)
contra legem (contra a lei)
O costume segundo a lei não é fonte do Direito, pois já existe lei neste sentido.
O Costume contra a lei cria Direito?
Ponto de vista jurídico => O costume contra legem não tem admissibilidade => Ex.: art. 2o da LICC.
Ponto de vista sociológico => Leis que não correspondem às necessidades da sociedade => Prevalência do costume, mesmo contra a lei.
Paulo Nader distingue desuso da lei e costume contra legem. Quando a lei perde sua eficácia por não ser usada, estamos diante do desuso da lei e não do costume contra legem. Este seria a prática reiterada de atos que se opõem à lei.
Ex.: O costume de se fumar em sala de projeção não significa que tenha sido revogada a lei.
Os motéis contrariam o art. 229 do CP, que tipifica o crime de casa de prostituição.
As revistas e exibições de espetáculos pornográficos contrariam o art. 234 do CP, que tipifica crimes de escrito ou exibição de espetáculo obsceno.
Prova dos costumes
Art. 337 do CPC - “A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim determinar o juiz”.
A prova se fará dos mais diversos modos: documentos, testemunhas, vistorias, etc. Em matéria comercial, porém, devem ser provados por meio de certidões fornecidas pela juntas comerciais que possuem fichários organizados para este fim.
Dentre as leis que caem pelo desuso, vale lembrar a problemática da validade das leis injustas.
Há quatro posições distintas a respeito:
a) Positivista
Considera as leis injustas válidas e obrigatórias desde que estejam em vigor. O não reconhecimento de sua validade ameaçaria a segurança jurídica, anseio primordial da sociedade.
b) Jusnaturalista
Nega a validade das leis injustas. O Direito, sendo criado pelos homens, deve por estes ser dominado e não erigir-se em dominador do próprio homem.
c) Posição eclética
Apesar de considerar as leis injustas ilegítimas, reconhece a validade daquelas cujo mal provocado não chega a ser insuportável. A não observância de uma lei injusta pode às vezes gerar mal maior, daí porque sua tolerância em alguns casos.
d) Posição de Kelsen
Nega a existência das chamadas leis injustas, já que consideram a justiça apenas relativa. Ele só considera injusta a não aplicação da norma jurídica ao caso concreto.
Conclusão:
Sendo o Direito um sistema, uma lei injusta normalmente será um corpo estranho no ordenamento jurídico, estabelecendo-se um conflito com os outros mandamentos ali inseridos. O juiz, então, deverá manter-se fiel ao sistema, afastando a lei injusta por critérios interpretativos.
DOUTRINA
São estudos e teorias desenvolvidos pelos juristas, com o objetivo de sistematizar e interpretar as normas vigentes e de conceber novos institutos jurídicos reclamados pelo momento histórico (Paulo Nader)
Localizam-se nos tratados, monografias e sentenças.
Funções da Doutrina:
a) Criadora => Dinâmica da vida social => Necessidade de evolução do Direito => Novos princípios e formas
b) Prática => Dispersão e grande quantidade de normas jurídicas => Sistematização => Análise e interpretação
c) Crítica => A legislação submetida ao juízo de valor sob diferentes ângulos => Acusar falhas e deficiências => Alterar o conteúdo do Direito
Ao submeter o Direito a uma análise crítica e ao conceber novos conceitos e institutos, a doutrina favorece o trabalho do legislador, assumindo a condição de fonte indireta do Direito.
JURISPRUDÊNCIA
Em sentido amplo => Coletânea de decisões proferidas pelos juízes ou tribunais sobre uma determinada matéria jurídica
Inclui jurisprudência uniforme (decisões convergentes) e jurisprudência contraditória (decisões divergentes).
Em sentido estrito => Conjunto de decisões uniformes prolatadas pelos órgãos do Poder Judiciário sobre uma determinada questão jurídica
secundum legem (de acordo com a lei)
Jurisprudência praeter legem (além da lei)
contra legem (contra a lei)
A jurisprudência cria Direito?
Quanto ao Direito anglo-saxão não há a menor dúvida.
Nos ordenamentos filiados à tradição romano-germânica há quem reconheça o seu papel formador do Direito e quem o rejeite.
Os que admitem alegam que as transformações sociais exigem um pronunciamento judicial sobre assuntos que eventualmente não se encontram na lei. O juiz, impossibilitado de alegar a lacuna da lei para furtar-se à decisão, constrói através de uma interpretação ora extensiva, ora restritiva, regras para os casos concretos que lhe são propostos. Em inúmeros casos os tribunais acabaram criando um Direito novo, embora aparentemente tenham se limitado a aplicar as leis existentes.
Art 8o. CLT
“As autoridades administrativas e a justiça do trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, ...”
Os que negam sustentam que o juiz é um mero intérprete da lei. Em verdade, ao dar certa conotação a um artigo de lei interpretando-o restritiva ou extensivamente, está apenas aplicando o Direito positivado.
Exemplos de jurisprudência transformada em lei:
1. Pensão alimentícia, que era devida apenas após o trânsito em julgado e hoje em dia é devida desde a citação (alimentos provisórios)
2. Os direitos da concubina, já reconhecidos pela jurisprudência com base na sociedade de fato, agora estão contemplados em lei.
Obs: Nos Estados de Direito codificado, a jurisprudência apenas orienta e informa, possuindo autoridade científica sem, no entanto, vincular os tribunais ou juizes de instância inferior.
Jurisprudência x Precedentes
Reserva-se o termo jurisprudência para as decisões dos tribunais e “precedentes” para as decisões de juízes de primeiro grau.
As divergências jurisprudenciais comprometem o Direito?
Segundo Miguel Reale, “... as divergências que surgem entre as sentenças, relativas às mesmas questões de fato e de direito, longe de revelarem a fragilidade da jurisprudência, demonstram que o ato de julgar não se reduz a uma atitude passiva, diante dos textos legais, mas implica notável margem de poder criador.”
5. Direito Comparado
Ao confrontar ordenamentos jurídicos vigentes em diversos povos, o Direito Comparado “aponta-lhes as semelhanças e as diferenças, procurando elaborar sínteses conceituais e preparar o caminho para unificação de certos setores do Direito” (Wilson de Souza Campos Batalha)
É expressamente indicado como fonte do Direito pelo art. 8º da CLT.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 7
Matéria a ser desenvolvida: Fontes do Direito (continuação). A equidade. A analogia. Os princípios gerais do direito.
A analogia: noções gerais.
A analogia, sendo um dos meios de integração do direito se constitui numa técnica que deve ser utilizada apenas quando a ordem jurídica não apresenta uma norma específica para um determinado fato.
Seu entendimento requer compreensão de seu conceito, fundamento, espécies e natureza da sua operação.
A analogia pode ser concebida como um recurso técnico que consiste em se aplicar, a um caso não previsto pelo legislador, uma norma jurídica previsto para um outro caso fundamentalmente semelhante ao não previsto.
Desta forma, quando não existe uma lei expressa para a resolução de um caso, o hermeneuta, pela analogia, o soluciona juridicamente com uma regra de direito estabelecida para um caso semelhante.
No processo analógico, o trabalho do aplicador do direito, é o de localizar, no sistema jurídico vigente, a norma prevista pelo legislador e que apresenta semelhança fundamental, não apenas acidental, com o caso não previsto. Essa norma prevista pelo legislador é denominada paradigma.
Temos que a analogia não se constitui fonte do direito na visão de alguns doutrinadores, pois segundo o entendimento ela não cria a norma jurídica a ser aplicada ao fato não previsto; esta já preexiste. A analogia só conduz ou orienta o intérprete na sua descoberta; somente revela uma norma implícita já existente no sistema jurídico em vigor, a qual, então será aplicada.
O fundamento da analogia reside no princípio da igualdade jurídica, que exige que os casos semelhantes devem ser regulados por normas semelhantes (onde existir a mesma razão deverá existir o mesmo direito).
A analogia: operação lógica e axiológica.
Apesar de constituir-se numa operação lógica, a analogia não pode ser reduzida a um simples processo lógico-formal. Nela encontra-se também uma averiguação valorativa ou axiológica, isto é, na procura do paradigma o hermeneuta não pode deixar de lado a valoração. Assim, no processo analógico os juízos de valor devem ser utilizados com freqüência, para se alcançar uma igualdade não apenas verdadeira, mas também justa.
Embora não tenha sido a valoração apresentada explicitamente pelo legislador, podemos dizer que o foi implicitamente. Se, pelo art. 5º LICC, se reconhece o estabelecimento de critério teleólogico-valorativo para a aplicação da norma, não se pode deixar de estendê-los ao uso da analogia. Aliás, na lição de Campos Batalha, a analogia se constitui “criação de norma idêntica à existente, para disciplinar hipótese axiologicamente semelhante à regulada por esta”.
Exemplos:
1) O art. 1.899 do CC (“quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a obediência da vontade do testador”) foi aplicado por analogia, aos casos de doações que são liberalidade (RF, 128/498).
2) Tem-se admitido à aplicação, por analogia, do estabelecido no decreto nº 2.681, de 07/12/1912, sobre estradas de ferro, para solucionar casos atinentes à estrada de rodagem no que diz respeito a responsabilidade pela vida e integridade dos passageiros. Realmente, há semelhança de fato e identidade de razão, justificando à aplicação as empresas de transportes rodoviários do preceito da responsabilidade das companhias ferroviárias em relação à vida e integridade dos passageiros; há aqui uma verdade e justiça na igualdade encontrada.
3) Se a lei diz que o indivíduo que causar prejuízo a outrem deve reparar o dano, o mesmo princípio deve se aplicar, por analogia, às pessoas jurídicas (art. 186 C/C 927 do CC).
4) A lei civil não prevê a ineficácia de um legado quando o beneficiário deixa de cumprir encargo estabelecido em testamento. Entretanto, os tribunais vêm assim decidindo, por analogia, com base no disposto no parágrafo único do art. 555 do CC, que permite a revogação de doação onerosa por inexecução de encargo.
5) O art. 230 do CPC admite que o oficial de justiça promova a citação em comarca contígua, disposição que pode ser estendida, por analogia, à hipótese de intimação.
Complementando as idéias até agora desenvolvidas sobre analogia, podemos ainda acrescentar, que para aplicar o direito, o órgão do Estado precisa, antes, interpretá-lo. A aplicação é um modo de exercício que está condicionado por uma prévia escolha, de natureza axiológica, entre várias interpretações possíveis. Antes da aplicação não pode deixar de haver interpretação, mesmo quando a norma legal é clara, pois a clareza só pode ser reconhecida graças ao ato interpretativo. Ademais, é obvio que só se aplica bem o direito quem o interpreta bem.
Por outro lado, se reconhecemos que a lei tem lacunas, é necessário preencher tais vazios, a fim de que se possa dar sempre uma resposta jurídica, favorável ou contrária, a quem se encontre ao desampara da lei expressa. Esse processo de preenchimento das lacunas chama-se integração do direito, e a ele já fizemos alusão quando lembramos o dispositivo da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual, em sendo a lei omissa, deve-se recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Podemos dizer que o pressuposto analógico é a existência reconhecida de uma lacuna da lei. Na interpretação extensiva, ao contrário, parte-se da admissão de que a norma existe, sendo suscetível de ser aplicada ao caso, desde que estendido o seu entendimento além do que usualmente se faz. É a razão pela qual se diz que entre uma e outra há um grau a mais na amplitude do processo integrativo.
Quando se vai além, afirmando-se a existência de uma lacuna, mas negando-se a existência de uma norma particular aplicável por analogia, o caminho que se abre já é mais complexo: é o dos princípios gerais do direito.
Modalidades de Analogia.
Geralmente a doutrina estabelece a distinção entre “analogia legis” e “analogia juris” bipartição devida a GROLMANN.
1) Analogia legis – também denominada legal, consiste na aplicação de uma norma existente destinada a reger caso semelhante ao não previsto. O paradigma, na hipótese, se localiza em um determinado ato legislativo.
2) Analogia juris – também denominada jurídica, funda-se num conjunto de normas, para extrair elementos que possibilitem sua aplicabilidade. Deste modo, com o apoio em várias disposições legais, que regulam um instituto semelhante, encontra-se a norma aplicável ao caso não previsto pela combinação de muitas outras; a solução precisa ser procurada num sistema como um todo.
Os autores não são concordes quanto ao assunto:
a) alguns entendem que existe apenas uma espécie de analogia que é a legis. A chamada júris nada mais representa do que o aproveitamento dos princípios gerais do direito, deixando de ser analogia e entrando no campo daqueles princípios gerais para suprir a deficiência legal (Miguel Reale e Paulo Nader);
b) outros consideram que a autêntica analogia é a juris (não no sentido do princípio geral de direito), pois, tal como toda aplicação, trata-se da aplicação não de uma norma mais do ordenamento jurídico inteiro. Por mais aparente que se detenha na apuração da analogia das disposições normativas ou de fatos, jamais se poderá prescindir do conjunto da sistemática jurídica que tudo envolve (Machado Neto, Maria Helena Diniz);
c) outros, por fim, entendem que a distinção entre analogia legis e júris carece de qualquer valor prático e nada se perde em dispensa-la; analogia é uma só (Binding).
Nota: Há campos do direito em que a analogia é largamente aplicada como no âmbito do direito civil, do trabalho (art. 8º CLT) etc. Porém, o recurso a analogia apresenta reserva em alguns setores: no direito penal a analogia é condenada para efeito de enquadramento em figuras delituosas, em penas ou como fator de agravamento destas. Tendo em vista o princípio da reserva legal, a conduta não prevista legalmente como crime é penalmente lícita; no caso das normas penais, as lacunas legais constituem vazios jurídicos que não podem ser preenchidos. Só se admite a analogia “in bonam partem”: a que beneficia o réu.
Exemplo: a exclusão da pena nos casos de aborto praticado por médico em mulher vítima de atentado violento ao pudor, que engravidou pela prática de ato delituoso; o artigo 128, inc. II, do CP, se refere apenas ao crime de estupro (art. 213 CP).
Não se aplica também o procedimento analógico no direito fiscal, quando for para impor tributos ou penas ao contribuinte.
É ainda limitado o seu recurso no tocante as normas de execução, que restringem ou suprimem direitos.
Analogia e Interpretação Extensiva.
Em que pese a grande afinidade existente entre a analogia e a interpretação extensiva, uma vez que ambas podem ser consideradas como espécie de complementação da norma, não há, contudo como confundi-las.
Na interpretação extensiva o caso é diretamente previsto pela lei, mas com insuficiência verbal ou impropriedade de linguagem, já que a interpretação da lei revela um alcance maior da mesma. Propriamente não há aqui lacuna da lei, apenas insuficiência verbal.
Por outro lado, na analogia não uma insuficiência verbal ou impropriedade de linguagem, nela, seu pressuposto básico é a existência de uma lacuna, isto é, a ausência de um dispositivo legal. Motivando a pesquisa que se faz na legislação a fim de se localizar um paradigma um fato-tipo semelhante ao não previsto em lei.
Como leciona Miguel Reale: “não se deve confundir a analogia com a interpretação extensiva, apesar de esta representar, até certo ponto, uma forma de integração. A diferença, assim, seria não qualitativa, mas de grau, ou de momento no processo de integração sistemática; entre uma e outra há um grau a mais na amplitude do processo integrativo”.
Analogia x interpretação extensiva
Interpretação extensiva - o caso é previsto pela lei diretamente, apenas com insuficiência verbal, já que a mens legis revela um alcance maior para a disposição => Má redação do texto pode ser uma das causas. - Busca o sentido da lei obscuro ou incerto.
Ex: art. 1228 CC
Procedimento analógico - a lacuna da lei é pressuposto básico. Busca a solução de um caso não previsto em lei em outro dispositivo legal que regula situação semelhante.
A equidade: noções gerais.
Os romanos advertiam, com razão, que muitas vezes a estrita aplicação do Direito traz conseqüências danosas à justiça. Não raro, pratica injustiça o magistrado que, com insensibilidade formalística, segue rigorosamente o mandamento do texto legal.
Há casos em que é necessário abrandar o texto, operando-se tal abrandamento através da equidade, que é, portanto, a justiça amoldada à especificidade de uma situação real.
“Valendo-se das técnicas apuradas da interpretação extensiva e da analogia, e dos recursos mais sutis que são os princípios gerais e a equidade, o operador do Direito, quando forrado de conhecimentos adequados e animado de consciência ética, surge como um dos mentores da convivência social, pois, temos dito e repetido, o Direito não é mero reflexo das relações sociais” (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, ed. Saraiva, SP).
O Direito como experiência, deve ser pleno, e muitos são os processos através dos quais o juiz ou o administrador realiza a integração da lei para atingir a plenitude da vida.
Por muito tempo, uma compreensão formalista do Direito julgou possível reduzir a aplicação da lei à estrutura de um silogismo, no qual a norma legal seria a premissa maior; a enunciação do fato, a premissa menor; e a decisão da sentença, a conclusão. À luz desses ensinamentos, não faltam processualistas imbuídos da convicção de que a sentença se desenvolve como um silogismo.
A norma não fica antes, nem o fato vem depois no raciocínio do juiz, pois este não raro vai da norma ao fato e vice-versa, cotejando-os e aferindo-os repetidas vezes até formar a sua convicção jurídica, raiz de sua decisão.
O ato de subordinação ou subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua intuição e prudência, operando a norma como substrato condicionador de suas indagações teóricas e técnicas.
A equidade, tanto pode ser um “elemento de integração” perante uma lacuna do sistema legal, como ser um “elemento de adaptação” da norma às circunstâncias do caso concreto por ocasião da aplicação do direito. Na primeira hipótese, a equidade pode ser vista como sendo o “direito do caso concreto”; na segunda, como a “justiça do caso concreto”.
Devemos observar que a equidade, seja como elemento de integração ou de aplicação da lei, sempre leva em conta o que há de particular em cada caso concreto, em cada relação, para dar-lhe a solução mais justa. Este é o seu critério distintivo.
Aplicação da Equidade.
O art. 127 do CPC estabelece que o juiz decida por equidade nos casos previstos em lei.
Todavia, a autorização expressa não é indispensável, uma vez que pode estar implícita, como nas hipóteses onde há um apelo implícito à equidade do magistrado, a quem cabe julgar do enquadramento ou não do caso, em face às diretivas jurídicas. Deste modo, o art. 13, sobre separação judicial, da Lei 6.515/77 que determina: “se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles para com os pais”.
Mas é, sobretudo, através dos artigos 4º e 5º da Lei de, Introdução ao Código Civil que se demonstra o rigor criticável do estabelecido no art. 127 do CPC. Eles determinam a obrigatoriedade de julgar, por parte do juiz em caso de omissão ou defeito legal, e a obrigatoriedade de, na aplicação da lei atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Pela equidade, se preenche as lacunas da lei como também, pela equidade procura-se o predomínio da finalidade da norma sobre sua letra, como está delineado no art. 5º da LICC. Este autoriza, assim, corrigir a inadequação da norma ao caso concreto através da equidade, uma vez que esta relaciona-se, intimamente, com os fins da norma, que é o bem comum da sociedade.
Desta forma, o art. 127 do CPC deve ser interpretado em comunhão com os arts. 4º e 5º da LICC.
É obvio que a equidade não é uma licença para o arbítrio puro, porém uma atividade condicionada às valorações positivas do ordenamento jurídico. Não deve ser utilizada como instrumento para as tendências legiferantes do julgador; deve, antes, se constituir num recurso de interpretação flexível da lei atendendo à justiça concreta, exigida pela situação concreta.
Os princípios gerais do direito.
Na concepção do Prof. Miguel Reale, temos que: “os princípios são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis”.
“Os princípios podem ser discriminados em três grandes categorias, a saber:
- princípios omnivalentes, quando são válidos para todas as formas de saber, como é o caso dos princípios de identidade e de razão suficiente;
- princípios plurivalentes, quando aplicáveis a vários campos de conhecimento, como se dá com o princípio de causalidade, essencial às ciências naturais, mas não extensivo a todos os campos de conhecimento;
- princípios monovalentes, que só vale no âmbito de determinada ciência, como é o caso dos princípios gerais do direito”.
“Os princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem, desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática”.
“Alguns deles se revestem de tamanha importância que o legislador lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a nossa Constituição sobre os princípios de isonomia (igualdade de todos perante a lei), de irretroatividade da lei para proteção dos direitos adquiridos”.
“A maioria dos princípios gerais de direito, porém, não constam de textos legais, mas representam contextos doutrinários ou, são modelos doutrinários ou dogmáticos fundamentais”.
“Nem todos os princípios gerais têm a mesma amplitude, pois há os que de aplicam apenas neste ou naquele ramo do Direito, sendo objeto de estudo da Teoria Geral do Direito Civil, do Direito Constitucional, do Direito Financeiro, etc”.
“É inadmissível reduzir os princípios gerais ao sistema de Direito Pátrio, seria absurdo não reconhecer que há princípios estruturais inseparáveis de dado ordenamento. Como ignorar, por exemplo, as diferenças existentes, no plano dos princípios, entre o direito soviético e o das Nações Ocidentais? Por outro lado, não obstante inegáveis correspondências há diversidade de princípios entre, por exemplo, o Direito brasileiro e o common law (EUA)”.
“Uma coisa é, porém, reconhecer que existem princípios gerais que são fruto da formação histórica de uma nação, e outra estender esse tipo de solução a todos os princípios. No mesmo equívoco incorrem os que subordinam, indistintamente, ao Direito comparado ou ao Direito Natural, confundindo dois problemas, o da consistência e o da fundamentação dos princípios gerais de direito”.
“O direito comparado é um dos campos de pesquisa de maiôs importância na ciência de nossos dias. Procura ele atingir as constantes jurídicas dos diferentes sistemas de direito positivo, a fim de esclarecer o direito vigente e oferecer indicações úteis e fecundas ao direito que está em elaboração. Em todos os países hoje existem institutos científicos destinados ao estudo de direito comparado”.
“Não será demais advertir, a fim de prevenir equívocos, que o direito comparado não pode se reduzir ao mero confronto de códigos e leis de diversos povos, sem se levar em conta às estruturas sociais e políticas de cada um deles”.
“Um artigo, inserido no nosso direito de família, por exemplo, não tem sentido igual ao que se lê no direito de família soviético, pois cada preceito de lei, além do significado que as palavras expressam, tem o valor que lhe confere a totalidade do ordenamento jurídico”.
“Entendem alguns intérpretes e, entre eles, o insigne Clóvis Beviláqua, que, no mencionado texto, haveria uma enumeração excludente, de tal modo que, em primeiro lugar, se deveria recorrer à analogia; a seguir, aos costumes e, por fim, aos princípios gerais. Essa asserção de Clóvis prende-se ainda a supremacia absoluta da lei”.
“Ora, o apelo à analogia não impede que recorramos, concomitantemente, aos costumes e aos princípios gerais mesmo porque todo o raciocínio analógico pressupõe a apontada correspondência entre duas modalidades do real postas em confronto e conduz naturalmente ao plano dos princípios. Quando mais não seja, estes reforçam as aduzidas razões de similitude e dão objetividade à sempre delicada aplicação do processo analógico”.
“Cabe, outrossim, ponderar que os princípios gerais de direito não têm função apenas no caso particular de lacunas encontradas na legislação, como ainda se sustenta por anacrônico apego a uma concepção legalista do direito”.
“Em verdade, toda a experiência jurídica e, por conseguinte, a legislação que a integra, repousa sobre princípios gerais de direito, que podem ser considerados os alicerces e as vigas mestras do edifício jurídico”.
“Consoante advertência de Roscoe Pound, que foi um dos mestres mais lúcido da jurisprudência norte-americana, o Direito é a experiência desenvolvida pela razão e razão provada pela experiência, residindo a sua parte vital nos princípios e não nas regras”.
“Os princípios gerais de direito são, em suma, conceitos básicos de diversa graduação ou extensão, pois alguns cobrem o campo todo da experiência jurídica universal; outros se referem aos ordenamentos jurídicos pertencentes, por assim dizer, à mesma família cultural, outros são próprios do direito pátrio”.
“Os princípios gerais do direito põem-se, destarte, como as bases teóricas ou as razões lógicas do ordenamento jurídico, que deles recebe o seu sentido ético, a sua medida racional e a sua força vital ou histórica. A vida do direito é elemento essencial do diálogo da história”.
“Isto posto, como devemos agir no caso de conflito manifesto entre um princípio de direito comparado, como tal reconhecido por relevantes manifestações da doutrina e da jurisprudência estrangeira, e um princípio inerente ao direito pátrio? Não resta dúvida que, por mais que seja desejável a universalização do direito, enquanto houver discrepância entre os nossos princípios jurídicos e os alienígenas, não poderá o jurista brasileiro, enquanto jurista, contrariar pressupostos do ordenamento nacional. No direito internacional privado, por exemplo, o princípio de ordem pública exclui a aplicação de normas e princípios estrangeiros que conflitem como nossos usos e costumes, ou com a nossa estrutura social e política”.
“Bem mais delicado é o conflito entre os princípios de direito natural e os do direito positivo, pátrio ou comparado. É o problema da “resistência às leis injustas”, ou da não-obediência ao que é “legal”, mas não é “justo”. Na prática, a questão se resolve, ou se ameniza, através de processos interpretativos, graças aos quais a regra jurídica “injusta” vai perdendo as suas arestas agressivas, por sua correlação com as demais normas, no sentido global do ordenamento”.
“Ao jurista, advogado ou juiz, não é dado recusar vigência à lei sob alegação de sua injustiça, muito embora possa e deva proclamar a sua ilegitimidade ética ato mesmo de dar-lhe execução. Mesmo porque poderá tratar-se de um ponto de vista pessoal, em contraste com as valorações prevalecentes na comunidade a que ele pertence, e também porque permanece intocável a lição de Sócrates, recusando-se a evadir-se da prisão, subtraindo-se à iníqua pena de morte que lhe fora imposta: “é preciso que os homens bons respeitem as leis más, para que os maus não aprendam a desrespeitar as leis boas”.
“A experiência histórica do direito demonstra-nos que a justiça é o valor mais alto, mas pode não ser o mais urgente, inclusive porque, quando se reservam a ordem e a paz, também se preservam as condições para a reconquista do justo”.
“É claro que o problema é aqui estudado sob o prisma estrito do direito. Como categoria ética, social ou política, pode-se falar em “direito de revolução”, ou de “insurreição”, mas estes são processos não jurídicos, processos de fato que só adquirem qualificação jurídica no momento em que instauram uma nova ordem normativa e marcam nova distribuição de poderes e competências”.
Nota:
A exemplo da maioria dos países de tradição romanística, o nosso legislador se refere aos princípios gerais de direito como um dos meios para o preenchimento das lacunas legais. Porém, não é essa a sua única função. Em segundo, a expressão princípios gerais de direito é bastante ampla, favorecendo as mais diversas posições doutrinárias sobre o tema.
Os princípios gerais do direito e os brocardos jurídicos: a palavra brocardo deriva de burcardo (Burchard), bispo de Worms, que, no início do século XI organizou uma coletânea de regras que foram impressas na Alemanha e na França, essa coleção recebeu o nome de “DECRETUM BURCHARDI” e as máximas passaram a ser conhecidas por burcardos e, posteriormente, por brocardos.
Com o passar do tempo, o valor dos brocardo jurídicos experimentou altos e baixos, representando duas atitudes diametralmente opostas: soberano desprezo e sua passiva aplicação como se fossem princípios gerais comprovados pelas experiência dos séculos.
Hodiernamente, tende-se a apreciar o problema com mais objetividade: o apego exagerado aos brocardos é tão condenável quanto o absoluto desprezo.
Deste modo, nem sempre os brocardos jurídicos traduzem princípios gerais de direito; ao contrário, alguns são verdadeira fossilização do erro, como por exemplo:
- “interpretatio cessat in claris” (dispensa-se a interpretação quando o texto é claro);
- “testis unus, testis nullus” (uma testemunha não faz prova); inaceitável hoje segundo Carlos Maximiliano, pois “pesam-se os depoimentos, não se contam”.
Outros, existem, que atuam como idéias diretoras, que o aplicador do direito não pode de início desprezar; representam diretivas de inegável valor prático, quando empregadas com o devido critério. Por exemplo, os seguintes brocardos possuem valor permanente, valendo como cristalizações históricas de princípios gerais:
- “exceptiones sunt strictissimae in interpretationis” (o intérprete não deve restringir aquilo que o texto não restringe);
- “permittitur quod non prohibetur” (tudo o que não é proibido, presume-se permitido);
-“ad impossibilia nemo tenetur” (ninguém está obriga ao impossível)
- “semper in dubiis benigniora praeferenda sunt” (nos casos duvidosos deve-se preferir a solução mais benigna).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 8
Matéria a ser desenvolvida: A norma jurídica: Conceito. Estrutura da norma jurídica. Principais características: generalidade, imperatividade, coercibilidade, bilateralidade, heteronomia
A norma jurídica: Conceito
É no contexto da teoria geral do direito que percebemos a importância do estudo da norma jurídica, por se referir à substância própria do direito objetivo. Assim, ao dispor sobre fatos e consagrar valores as normas jurídicas são o ponto elevado do processo de elaboração do direito e o ponto de partida operacional da Dogmática Jurídica, cuja função é a de sistematizar e descrever a ordem jurídica vigente.
Sendo assim, conhecer o direito é conhecer as normas jurídicas em seu encadeamento lógico e sistemático.
Devemos lembrar que para promover a ordem social, o Direito Positivo deve ser prático, isto é, revelar-se mediante normas orientadoras das condutas interindividuais. A norma jurídica exerce a função de ser instrumento de definição da conduta exigida pelo Estado.
A palavra norma ou regras jurídicas são sinônimas, apesar de alguns autores utilizarem a denominação regra para o setor da técnica e outros, para o mundo natural. Existe distinção entre norma jurídica e lei. Esta é apenas uma das formas de expressão das normas, que se manifestam também pelo direito costumeiro e, em alguns países pela jurisprudência.
Considerando-se, todavia, as categorias mais gerais das normas jurídicas, verificam-se que estas apresentam alguns caracteres que, na opinião dominante dos doutrinadores, são: bilateralidade, genaralidade, abstratividade, imperatividade, coercibilidade e heteronomia.
Pela bilateralidade, temos que o direito existe sempre vinculando duas ou mais pessoas, conferindo poder a uma parte e impondo dever à outra. Bilateralidade expressa o fato da norma possuir dois lados: um representado pelo direito subjetivo e o outro pelo dever jurídico, de tal modo que um não pode existir sem o outro.
Pela generalidade, temos que a norma jurídica é preceito de ordem geral, que obriga a todos que se acham em igual situação jurídica. Da generalidade da norma deduzimos o princípio da isonomia da lei, segundo o qual todos são iguais perante a lei.
A imperatividade revela a missão de disciplinar as maneiras de agir em sociedade, pois o direito deve representar o mínimo de exigências, de determinações necessárias. Assim, para garantir efetivamente a ordem social, o direito se manifesta através de normas que possuem caráter imperativo. Tal caráter significa imposição de vontade e não simples aconselhamento.
A coercibilidade quer dizer possibilidade de uso de coação. Essa possui dois elementos: psicológico e material. O primeiro exerce a intimidação, através das penalidades previstas para as hipóteses de violações das normas jurídicas. O elemento material é a força propriamente, que é acionada quando o destinatário da regra não a cumpre espontaneamente. As noções de coação e sanção não se confundem. Coação é uma reserva de força a serviço do Direito, enquanto a sanção é considerada, geralmente, medida punitiva para a hipótese de violação de normas.
Segundo a teoria da coercibilidade o direito é “a ordenação coercível da conduta humana”, não coativa, ou coercitiva. A diferença da anterior está em dizer “ordenação coercível” é dizer que a força não é efetiva, mas “potencial”, é força “em potência”.
Desta forma, a essência do Direito é a coerção, ou a coercibilidade: a possibilidade de se invocar o suo da força para a execução da norma jurídica se necessário. A força passa a ser um “meio” a que o Direito recorre para se fazer valer, quando se revelam insuficiente os motivo que, comumente, levam os interessados a cumpri-la. Quando efetivamente se recorre à força física temos a “coação”. A coação, portanto, apenas se manifesta na hipótese do não cumprimento das normas jurídicas.
Podemos citar como exemplo a ação de despejo por falta de pagamento. Enquanto há o pagamento, a força está em potência, há a possibilidade de se recorrer a ela se necessário, sendo esta formalidade de força essencial ao Direito; quando se deixa de pagar o aluguel, há execução compulsória (força em ato), podendo chegar ao despejo.
Por outro lado, a coercibilidade do direito é possível por causa da heteronomia. Não exigindo a adesão interna do obrigado, para se ver cumprido, o Direito pode obrigar recorrendo à força quando há discordância, voluntária ou não, entre a conduta externa e o previsto na norma jurídica.
Própria do Direito, a heteronomia contudo, não lhe é específica, visto que ele a co-divide com as normas de trato social. Específico do direito é o seu caráter bilateral atributivo, em virtude do qual ele também é coercível (Miguel Reale, citado por Antônio Bento Betioli, Introdução ao Direito, ed. Letras & Letras, SP).
Na lição do jurista Miguel Reale, a norma jurídica é a conduta exigida ou o modelo imposto de organização social.
Tendo a norma como um elemento constitutivo do direito, como que a célula do organismo jurídico, é natural que nela se encontrem as mesmas características já apontadas, quando do estudo daquele, a saber, a sua natureza objetiva ou heterônoma e a exigibilidade ou obrigatoriedade daquilo que ela enuncia.
Sob a influência de Kelsen, alguns autores trouxeram uma preciosa contribuição sobre o assunto, começam por assim dizer que a norma jurídica é sempre redutível a um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê um fato (F) ao qual se liga uma conseqüência (C), de conformidade com o seguinte esquema:
Se F é, deve ser C
Segundo essa concepção toda a regra de direito contém a previsão genérica de um fato, com a indicação de que, toda vez que um comportamento corresponder a esse enunciado, deverá advir uma conseqüência, que, por sinal, na teoria de Kelsen, como veremos logo mais, corresponde sempre a uma sanção, compreendida apenas como pena.
Devemos salientar que essa estrutura não se estende a todas as espécies de normas como, por exemplo, às de organização, às dirigidas aos órgãos do Estado ou às que fixam atribuições, na ordem pública ou privada. Nestas espécies de normas nada é dito de forma condicional ou hipotética, mas sim categórica, excluindo qualquer condição. Exs: Todo homem é capaz de direitos e obrigações na visa civil - art. 2º CC; Brasília é a Capital Federal – art. 18, § 1º da CF.
O que de fato caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória.
Dizemos que uma norma jurídica enuncia um dever ser porque nenhuma regra descreve algo que é, mesmo quando, para facilidade de expressão, empregamos o ver ser. É certo que a Constituição declara que o Brasil é uma República Federativa, mas é evidente que a República não é algo que esteja aí, diante de nós, como uma árvore ou uma placa de bronze: aquela norma enuncia que “o Brasil deve ser organizado e compreendido como uma República Federativa”.
Temos ainda, que a regra jurídica enuncia um dever ser de forma objetiva e obrigatória, porquanto, consoante já foi exposto em aulas anteriores, é próprio do Direito valer de maneira heterônoma, isto é, com ou contra a vontade dos obrigados, no caso das regras de conduta, ou sem comportar alternativa de aplicação, quando se tratar de regras de organização.
Decorre desse fato, a tendência natural a considerar primárias as normas que enunciam as formas de ação ou comportamento lícitos ou ilícitos; e secundárias as normas de natureza instrumental.
Contudo, as regras de organização não realizam, todavia, só as funções de reconhecimento e legitimação das normas primárias, ou de determinação dos processos de sua revisão e aplicação, mas apresentam também outros característicos, de ordem funcional ou estrutural, como é caso, por exemplo, das normas interpretativas, que não visam a apurar a validade, nem a modificar a regra interpretada, mas apenas a esclarecer-lhe o significado. Sob o aspecto estrutural, temos, por exemplo, as normas que constituem os órgãos da Administração pública e lhes conferem atribuições, não sendo possível separar a estrutura do órgão e as atividades que lhe cumpre realizar. As normas de organização, com efeito, não vêm depois das normas que fixam as atividades administrativas, mas surgem concomitantemente com estas, razão pela qual o qualificativo de “normas primárias” e “secundárias” não nos parece relevante, sujeito que está à diversidade e concretude da experiência jurídica.
O fundamental é reconhecer que as normas jurídicas sejam elas enunciativas de formas de ação ou comportamento, ou de formas de organização e garantia das ações ou comportamentos, não são modelos estáticos e isolados, mas sim modelos dinâmicos que se implicam e se correlacionam, dispondo-se num sistema, no qual umas são subordinantes e outras subordinadas, umas primárias e outras secundárias, umas principais e outras subsidiárias ou complementares, segundo ângulos e perspectivas que se refletem nas diferenças de qualificação verbal. Veremos a importância desta observação quando tivermos de caracterizar o Direito como sistema ou ordenamento.
Estrutura da norma jurídica de conduta.
Conforme Miguel Reale, “quando, na experiência social, se verifica uma correspondência razoável entre um fato particular e o fato-tipo F, previsto na norma, o responsável por aquele fato particular (em geral, o agente, ou o autor daquilo que resultou de seu ato) goza ou suporta as conseqüências predeterminadas no dispositivo ou preceito”.
“O resultado ou efeito jurídico não sobrevém, em virtude de uma relação de “causa e efeito”, mas sim de uma subordinação ou subsunção lógico-axiológica do fato particular à regra,donde resulta o “nexo de imputabilidade””.
“Em toda regra de conduta há sempre a alternativa do adimplemento ou da violação do dever que nela se enuncia. Não é dito que o legislador queira a violação; ao contrário ele a condena, tanto assim que lhe impõe uma sanção penal, embora sem poder deixar de pressupor a liberdade de opção do destinatário”.
“Como se vê a hipoteticidade ou condicionalidade da regra de conduta não tem apenas um aspecto lógico, mas apresenta também um caráter axiológico, uma vez que nela se expressa a objetividade de um valor a ser atingido, e, ao mesmo tempo, se salvaguarda o valor da liberdade do destinatário, ainda que para a prática de um ato de violação”.
Estrutura trivalente da norma jurídica
Preceitua ainda, Miguel Reale: “se, por outro lado, se enuncia dada conseqüência, declarando-a obrigatória, é sinal que se pretende atingir um objetivo, realizando-se algo de valioso, ou impedindo a ocorrência de valores negativos”.
“Finalmente, essa correlação entre fato e valor se dá em razão de um enlace deôntico, isto é, em termos lógicos de dever ser, com que se instaura a norma”.
“Desse modo, verifica-se que o momento lógico expresso pela proposição hipotética, ou a forma da regra jurídica, é inseparável de sua base fática e de seus objetivos axiológicos: fato, valor e forma lógica compõem-se em suma, de maneira complementar, dando-nos, em sua plenitude, a estrutura lógico-fático-axiológica da norma de direito”.
“O certo é que, enquanto que para um adepto do formalismo jurídico a norma jurídica se reduz a uma “proposição lógica”, para nós, como para os que se alinham numa compreensão concreta do Direito, a norma jurídica, não obstante a sua estrutura lógica, assinala o “momento de integração de uma classe de fatos segundo uma ordem de valores”, e não pode ser compreendida sem referência a esses dois fatores, que ela dialeticamente integra em si e supera”.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 9
Matéria a ser desenvolvida: A norma jurídica (continuação). Os diversos critérios de classificação das normas jurídicas: critério da destinação, critério da existência, critério da extensão territorial, critério do conteúdo, critério da imperatividade e critério da sanção
Classificação das Normas Jurídicas
Os autores variam na apresentação das formas de classificação das normas jurídica; existe mesmo certa ambigüidade e vacilação na terminologia. Fato é que a classificação pode ser realizada de acordo com vários critérios.
Com base na idéia acima exposta, apresentamos algumas classificações encontradas na doutrina nacional.
Paulo Dourado de Gusmão
Regra de direito comum
Pelo âmbito espacial de Regra de direito particular
sua validade Regra de direito interno e
de direito internacional
Regra de direito geral
Da amplitude de seu conteúdo Regra de direito especial
Regra de direito excepcional
Norma constitucional
Da força de seu conteúdo Lei complementar
Norma ordinária
Como já foi dito, no campo doutrinário da classificação das normas jurídicas, os autores não são unânimes. Cada um utiliza método e terminologia próprios.
Utilizaremos a classificação oferecida em nosso programa.
CRITÉRIO DA DESTINAÇÃO - normas de direito, normas de sobredireito, normas de organização ou estrutura e normas de conduta
Certos autores => Destinatário da norma jurídica seria o corpo social => Observância aos mandamentos
Outros autores => Destinatário da norma jurídica seria o Poder Judiciário => Aplicador dos mandamentos jurídicos
Todavia, dividindo as normas jurídicas em normas de organização e normas de conduta, mais evidenciados tornam-se seus destinatários:
Normas de organização (norma de sobredireito) - normas instrumentais que visam a estrutura e funcionamento dos órgãos, ou a disciplina de processos técnicos de identificação e aplicação de normas, para assegurar uma convivência juridicamente ordenada => Destinatário: o próprio Estado
Normas de conduta (norma de direito) - normas que disciplinam o comportamento dos indivíduos, as atividades dos grupos e entidades sociais em geral => Destinatário: o corpo social (pessoas físicas, jurídicas ou autoridades que estiverem na situação nela prevista). Todavia, quando surge o eventual conflito levado ao Poder Judiciário, este passa a ser seu destinatário.
CRITÉRIO DA EXISTÊNCIA - norma explícita e norma implícita
A norma explícita é a norma tal qual está escrita nos códigos e nas leis.
A normas implícita é aquela subentendida a partir da norma explícita.
Só a existência deste direito implícito pode responder pela afirmativa de que o ordenamento jurídico não tem lacunas. Serve ele, portanto, não apenas à interpretação da lei, como, igualmente, à integração do Direito. Por seu intermédio é que o Direito positivo se completa, garantindo-se. (Arnaldo Vasconcelos)
CRITÉRIO DA EXTENSÃO TERRITORIAL - normas federais, estaduais e municipais
As normas jurídicas são classificadas desta forma em razão da esfera do Poder Público de que emanam, pois todo território de um Estado acha-se sob a proteção e garantia e um sistema de Direito.
Assim, as normas jurídicas são federais, estaduais ou municipais, na medida em que sejam instituídas respectivamente pela União, pelos Estados-Membros e pelos Municípios.
• A propósito: há hierarquia entre as normas jurídicas emanadas de cada ente da Federação acima elencado?
Para responder a pergunta acima, faz-se mister a distinção da competência legislativa da União, dos Estados-Membros e dos Municípios.
Segundo Miguel Reale, “não há, pois, uma hierarquia absoluta entre leis federias, estaduais e municipais, porquanto esse escalonamento somente prevalece quanto houver possibilidade de concorrência entre as diferentes esferas de ação. A rigor, as únicas normas jurídicas que primam no sistema do Direito brasileiro são as de Direito Constitucional.”
CRITÉRIO DO CONTEÚDO - direito público, direito privado e direito social
A diferenciação entre essas normas já foi abordada quando falamos sobre as divisões do Direito. Contudo, é bom ressaltar que a teoria que prevalece atualmente para a distinção dessas normas é a teoria formalista da natureza da relação jurídica:
Normas de Direito Privado: regulam o vínculo entre particulares => Plano de igualdade => Relação jurídica de coordenação
Ex.: As normas que regulam os contratos.
Normas de Direito Público: regulam a participação do poder público, quando investido de seu imperium, impondo a sua vontade => Relação jurídica de subordinação.
Ex.: As normas de Direito Administrativo.
Normas de Direito Misto => Tutelam simultaneamente o interesse público ou social e o interesse privado.
Ex.: Normas de Direito Família
CRITÉRIO DA IMPERATIVIDADE - normas impositivas (cogentes) e dispositivas (permissivas) e proibitivas
Imperativas - ordenam, impõem.
Ex.: Art. 186/927 do CC
Normas impositivas
(ou cogentes) Proibitivas - vedam, proibem.
Ex.: Art. 1650 do CC de 1916
Interpretativas - esclarecem a vontade do indivíduo manifestada de forma duvidosa.
Ex.: Art. 1899 do CC
Normas dispositivas
(ou permissivas)
Integrativas - preenchem lacunas deixadas por ocasião da manifestação da vontade.
Ex.: Art. 1228 do CC
Normas impositivas - limitam a autonomia da vontade individual, por repressão, ora mandando, ora proibindo,
Normas dispositivas - facultam, auxiliam ou até mesmo completam essa manifestação de vontade individual.
Enquanto que as normas impositivas são taxativas, ora ordenando, ora proibindo, as normas dispositivas limitam-se a dispor, com grande parcela de liberdade.
CRITÉRIO DA SANÇÃO - normas perfeitas, mais que perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas
Normas perfeitas - estabelecem a sanção na exata proporção do ato praticado. Invalidam quaisquer atos quando resultantes de transgressões a dispositivos legais.
Ex.: Art. 121 do CP
Normas mais que perfeitas - estabelecem sanções em proporções maiores do que os atos praticados mediante transgressão de normas jurídicas. A sanção é mais intensa do que a transgressão.
Ex.: Art. 155 do CP
Normas menos que perfeitas - não invalidam o ato, mas impõem uma sanção ao agente transgressor.
Ex.: Art. 225 do CC de 1916
Normas imperfeitas - Representam um caso muito especial. Nem invalidam o ato nem estabelecem sanção ao transgressor. Tal procedimento se justifica por razões relevantes de natureza social e, sobretudo, ética.
Ex.: Art. 1551 do CC
CRITÉRIO DA NATUREZA: normas substantivas e normas adjetivas
Normas substantivas - reúnem normas de conduta social que definem os direitos e os deveres das pessoas em suas relações.
Ex.: Direito Civil, Penal, Comercial, etc.
Normas adjetivas - aglutinam regras de procedimento no andamento das questões forenses.
Ex.: Lei de Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, etc.
As leis substantivas são, em regra, principais, enquanto que as adjetivas são de natureza instrumental.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 10
Matéria a ser desenvolvida: A Lei e o Ordenamento Jurídico. O processo de elaboração legislativa. A hierarquia e a constitucionalidade das leis. Existência, validade, eficácia e efetividade da lei. Legitimidade da norma jurídica.
A Lei e o Ordenamento Jurídico
O Direito objetivo/positivo, como conjunto de normas jurídicas constitui no seu todo um sistema global que se denomina “ordenamento jurídico”. De fato, o Direito se apresenta concretamente, em qualquer país, sobre a estrutura de um ordenamento: as normas jurídicas não existem isoladas, não atuam de forma solitária, porém se correlacionam e se implicam, formando um todo uniforme e harmônico.
Os autores apresentam diversas definições no que respeita a definição do ordenamento jurídico.
Paulo Nader, leciona que o ordenamento jurídico compreende “o sistema de legalidade do Estado, formado pela totalidade das normas vigentes, que se localizam em diversas fontes”.
Conforme Miguel Reale, é “o sistema de normas jurídicas in acto, compreendendo as fontes de direito e todos os seus conteúdos e projeções: é, pois, os sistemas das normas em sua concreta realização, abrangendo tanto as regras explícitas como as elaboradas para suprir as lacunas do sistema, bem como as que cobrem os claros deixados ao poder discricionário dos indivíduos (normas negociais)”.
Aspecto relevante sobre o ordenamento jurídico é a questão da plenitude. Assim, o ordenamento jurídico não pode deixar a descoberto, sem dar solução, qualquer litígio ou conflito capaz de abalar o equilíbrio, a ordem e a segurança da sociedade. Por isso, ele contém, a possibilidade de solução para todas as questões que surgirem na vida de relação social, suprindo as lacunas deixadas pelas fontes do direito. É o princípio da plenitude do ordenamento jurídico. Se ele não fosse sem lacunas e auto-suficiente, não poderia cumprir precisamente sua missão.
Processo Legislativo
É o conjunto de atos realizados pelos órgãos legislativos visando à formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos. (José Afonso da Silva)
Objeto: art. 59 da CF.
Segundo José Afonso da Silva, as medidas provisórias não deveriam constar do rol do art. 59, pois sua elaboração não se dá por processo legislativo.
A Constituição não trata do processo de formação dos decretos legislativos ou das resoluções.
Decretos legislativos são atos destinados a regular matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 49) que tenham efeitos externos a ele e independem de sanção e veto.
Resoluções legislativas são atos destinados a regular matérias de competência do Congresso Nacional e de suas Casas, mas com efeitos internos. Assim, os regimentos internos são aprovados por resoluções. Exceção: arts. 68, parágrafo 2º, 52, IV e X e 155, V.
Atos do Processo Legislativo
O processo legislativo é o conjunto de atos preordenados visando à criação de normas de Direito. Estes atos são:
a) Iniciativa legislativa
b) Emendas
c) Votação
d) Sanção e veto
e) Promulgação e publicação
Iniciativa Legislativa - É a faculdade que se atribui a alguém ou a um órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo. (art. 60, 61 e seu parágrafo 2º)
Votação - Constitui ato coletivo das Casas do Congresso. Geralmente é precedida de estudos e pareceres de comissões técnicas (permanentes ou especiais) e de debates em plenário. É ato de decisão (art. 65 e 66), que se toma por maioria de votos:
• maioria simples (art. 47) para aprovação de lei ordinária
• maioria absoluta dos membros das Câmaras, para aprovação de lei complementar (art. 69)
• maioria de três quintos dos membros das Casas do Congresso, para aprovação de emendas Constitucionais (art.60, § 2º)
Sanção e veto - São atos de competência exclusiva do Presidente da República. A Sanção e o veto somente recaem sobre projetos de lei. Só são cabíveis em projetos que disponham sobre as matérias elencadas no art. 48 da CF.
Sanção é a adesão do Chefe do Poder Executivo ao projeto de lei aprovado pelo Legislativo; pode ser expressa (art. 66, caput) ou tácita (art. 66, parágrafo 3º).
Veto é o modo pelo qual o Chefe do Poder Executivo exprime sua discordância com o projeto aprovado, por entendê-lo inconstitucional ou contrário ao interesse público (art. 66, parágrafo 1º). O veto pode ser total, recaindo sobre todo o projeto, ou parcial, quando atingir somente parte dele.
O veto é relativo, não trancando de modo absoluto o andamento do projeto (art. 66, parágrafos 1º e 4º da CF).
Caso o veto seja rejeitado por votação da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto, o projeto se transforma em lei, sem sanção, que deverá ser promulgada. Não se alcançando a maioria mencionada, o veto ficará mantido, arquivando-se o projeto.
Promulgação e publicação - Promulga-se e publica-se a lei, que já existe desde a sanção ou veto rejeitado. É errado falar em promulgação de projeto de lei.
Promulgação é a declaração da existência da lei. É meio de se constatar a existência da lei. A lei é perfeita antes de ser promulgada; a promulgação não faz lei, mas os efeitos da lei só se produzirão depois dela.
A publicação da lei constitui instrumento pelo qual se transmite a promulgação aos destinatários da lei. É condição para que a lei entre em vigor, tornando-se eficaz (ou efetiva).
Construção escalonada do Direito
A complexidade do Direito não exclui a sua unidade, fundamentando-se tal afirmação na teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen.
Para esta teoria, as normas de um ordenamento jurídico não estão no mesmo plano, existindo, assim, normas superiores e inferiores.
Subindo a escala das normas, chegar-se-á a uma norma suprema, sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Esta norma fundamental faz das diversas normas inferiores e de diversas proveniências um conjunto unitário chamado ordenamento.
Sem esta norma fundamental, as demais constituiriam um amontoado. Desta forma, por mais numerosas que sejam as fontes do Direito de um ordenamento complexo, todas as normas remontam a uma única norma. Há, portanto, uma estrutura hierárquica de normas.
Pirâmide de Kelsen
Representa-se esta estrutura hierárquica de um ordenamento através de uma pirâmide. O vértice é ocupado pela norma fundamental e a base pelos atos executivos.
Obs.: Há ordenamentos nos quais não existe diferença entre leis constitucionais e leis ordinárias. Estes são aqueles ordenamentos em que o Poder Legislativo pode formular, através do mesmo procedimento, leis ordinárias e leis constitucionais.
Limites materiais e limites formais
Quando um órgão superior atribui a outro inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. Assim como o poder jurisdicional é limitado pelo Poder Legislativo, o exercício do Poder legislativo é limitado pelo poder constitucional.
Os limites impostos pelos poderes superiores aos inferiores podem ser de duas espécies:
1 Materiais (ligados ao conteúdo) - Ex.: art. 30 da CF, art. 25, §1o da CF
2 Formais (ligados à forma) - art. 60 da CF
A observação destes limites é importante, já que delimitam o âmbito em que a norma inferior emana legitimamente: uma norma inferior que exceda os limites materiais, regulando matéria diversa da que lhe foi atribuída, está sujeita a ser declarada ilegítima e ser expulsa do sistema.
Assim, quando a lei constitucional atribui aos cidadãos o direito à liberdade religiosa (art. 5o, VI, da CF), limita o conteúdo normativo do legislador ordinário, isto é, proíbe-lhe estabelecer normas que tenham como conteúdo à supressão da liberdade religiosa.
Os limites formais estão sempre presentes. Sempre haverá um disciplinamento sobre o modo de funcionamento dos órgãos legislativos. Todavia, o mesmo não se pode dizer quanto aos limites materiais. Estes limites podem faltar nos ordenamentos em que não exista uma diferença de grau entre leis constitucionais e leis ordinárias (as chamadas Constituições flexíveis).
Nos ordenamentos em que as Constituições são flexíveis, o legislador ordinário pode legislar em qualquer matéria.(Constituição Inglesa).
Nossa Constituição é rígida. Os limites do legislador ordinário estão dispostos na Constituição Federal, quando estabelece certos pré-requisitos para que ela mesma seja modificada, havendo, portanto, distinção entre emendas à Constituição e lei ordinária.(art. 60 e art. 61, da CF).
Quando se diz que o juiz deve aplicar a lei (Direito Substantivo), significa que sua atividade está limitada pela lei, ou seja, o conteúdo da sentença por ele proferida deve corresponder ao conteúdo de uma lei. Não havendo esta correspondência, sua sentença pode ser declarada inválida, tal como a lei não-conforme à Constituição.
As leis relativas ao procedimento (leis adjetivas), constituem limites formais à atividade do magistrado, devendo ele dizer o direito no caso concreto segundo um ritual preestabelecido.
Hierarquia das Leis
A Constituição é a lei das leis, a lei suprema à qual se devem subordinar todas as demais leis.
Todas as demais leis tornar-se-ão inconstitucionais e perderão a vigência na proporção em que deixarem de respeitar a Constituição.
As leis constitucionais procedem do poder constituinte.
As leis ordinárias (todas as demais leis) procedem do poder legislativo.
De acordo com o art. 59 da Constituição Federal vigente, o processo legislativo compreende a elaboração de :
I - Emendas à constituição (estão no ápice da elaboração legislativa)
II - Leis complementares à constituição (têm o caráter de leis orgânicas e procuram pôr em execução preceitos da própria Constituição)
III - Leis ordinárias
IV - Leis delegadas (o mesmo valor jurídico)
V - Medidas provisórias
VI - Decretos legislativos
VII – Resoluções
Abaixo destes atos legislativos, temos os decretos executivos, emanados pelo Presidente da República, para execução das leis provenientes do congresso ou não.
Depois dos decretos executivos, temos as portarias ministeriais, as portarias de diretores de departamentos, as instruções, as circulares, as ordens de serviço.
Abaixo dos regulamentos, já não temos propriamente leis e sim atos normativos.
Princípios do Entrelaçamento e Derivação:
Temos que o ordenamento jurídico é formado pela totalidade das normas vigentes e estas devem estar ajustadas entre si e conjugadas a Constituição Federal. Daí os dois princípios que orientam a estruturação do ordenamento jurídico: “o do entrelaçamento” e o da “fundamentação/derivação”.
Princípio do Entrelaçamento: ele estabelece a interligação de todos os elementos que integram o ordenamento jurídico, formando um todo uniforme sistemático. Isto quer dizer que as normas jurídicas não se encontram soltas ou justapostas, mas mutuamente entrelaçadas em uma conexão harmônica. Se não houvesse tal interligação não se poderia falar de sistema, ordem, ordenamento jurídico; os conflitos entre as normas seriam freqüentes, provocando o desequilíbrio e a desintegração do próprio sistema.
Princípio da Fundamentação/Derivação: ele estatui que as normas se fundam sempre noutras normas ou delas derivam. Isto quer dizer que uma norma sempre se fundamenta em outra, que por isso lhe é superior, e esta em outra até se chegar, em última instância a uma norma básica, chamada de “norma fundamental” por servir de fundamento a todo o sistema.
A norma fundamental
Para fecharmos o sistema, devemos dar um passo além das normas constitucionais.
Toda norma pressupõe um poder normativo. Norma significa imposição de obrigações e onde há obrigações há poder.
Concluímos, assim, que a norma fundamental é o fundamento de validade de todas as normas, sendo também, e por conseqüência, princípio unificador das normas de um ordenamento.
Se existem normas constitucionais, deve existir poder normativo do qual elas derivam. Este poder é o poder constituinte, poder originário.
Poder originário
O poder originário é o ponto de referência último de todas as normas. É o poder além do qual não existe nenhum outro pelo qual se possa justificar o ordenamento jurídico. Esse ponto de referência é necessário para fundar a unidade do ordenamento jurídico. (Norberto Bobbio)
Dado o Poder Constituinte como poder último, devemos supor uma norma que atribua a ele a faculdade de produzir normas jurídicas obrigatórias a toda a comunidade. Esta, então, seria a norma fundamental, a fonte das fontes do Direito, podendo assim se manifestar: “A coletividade é obrigada a obedecer às normas estabelecidas pelo poder constituinte.”
Notem que esta norma não é expressa, mas nós pressupomos sua existência para fundar o sistema normativo. Para se fundar o sistema é necessário que haja uma norma última além da qual seria inútil ir.
Para que possamos ir além desta norma, devemos sair do sistema jurídico para chegarmos a um sistema maior, dentro do qual o jurídico estaria incluído.
Destarte, a estrutura do ordenamento jurídico é, pois, hierárquica: umas normas são superiores as outras e, conseqüentemente, a norma para ser válida formalmente tem de respeitar o conteúdo da norma jurídica superior. Dessa hierarquia legal, surge, a chamada “estrutura piramidal”, tendo no seu ápice a Constituição Federal e descendo até as normas de hierarquia mais inferior localizadas na sua base:
- Constituição Federal (com suas Emendas);
- Leis complementares à Constituição;
- Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Medidas Provisórias, Decretos Legislativos e Resoluções;
- Decretos Regulamentares;
- Simples Decretos, Portarias, Circulares, etc.
A validade da norma jurídica
O que é necessário para que uma coisa seja válida? Esta pergunta, em nosso entender, nos dá a chave para encontrarmos o conceito de validade.
Um contrato, no qual uma das partes é incapaz, é válido? Não, porque lhe falta um dos elementos.
Vemos assim que válido é aquilo que é feito com todos os seus elementos essenciais.
Por elementos essenciais entendem-se aqueles requisitos que constituem a própria essência ou substância da coisa, sem os quais ela não existiria; é parte do todo.
Para que o ato ou negócio sejam válidos, terão que estar revestidos de todos os seus elementos essenciais. Faltando um deles, o negócio é inválido, nulo não alcançando os seus objetivos.
Podemos dizer que a validade decorre, invariavelmente, de o ato haver sido executado com a satisfação de todas as exigências legais.
Uma norma jurídica, para que seja obrigatória, não deve estar apenas estruturada logicamente segundo um juízo categórico ou hipotético, pois é indispensável que apresente certos requisitos de validade.
Na lição de Miguel Reale, a validade de uma norma jurídica pode ser vista sob três aspectos:
1) técnico-formal = vigência
2) social = eficácia
3) ético = fundamento
Vigência vem a ser “a executoriedade compulsória de uma norma jurídica, por haver preenchido os requisitos essenciais à sua feitura ou elaboração” (Miguel Reale).
Desta forma, a norma jurídica tem vigência quando pode ser executada compulsoriamente pelo fato de ter sido elaborada com observância aos requisitos essenciais exigidos:
a) emanada de órgão competente,
b) com obediência aos trâmites legais,
c) e cuja matéria seja da competência do órgão elaborador.
Nota: O processo de elaboração de uma lei consiste numa sucessão de fases e de atos que vão desde a apresentação de seu projeto até a sua efetiva concretização, tornando-se obrigatória. Assim temos: iniciativa, discussão-votação-aprovação, sanção-veto, promulgação, publicação e entrada em vigor.
Sancionado o projeto expressamente ou pelo silêncio do Presidente da República, ou não mantido o veto, deve o mesmo ser promulgado dentro de 48 horas pelo Presidente da República; se não o fizer, o Presidente do Senado Federal o promulgará em igual prazo; não o fazendo, caberá o Vice-presidente do Senado fazê-lo (CF, arts. 66, §§ 5º e 7º).
A promulgação é, pois, o ato proclamatório através do qual o que antes era projeto passa a ser lei e, consequentemente, a integrar o Direito positivo brasileiro.
A lei passa a existir como tal desde a sua promulgação, mas começa a obrigar da data sua publicação, produzindo efeitos com a sua entrada em vigor.
Sendo assim, a pertinência de uma norma a um ordenamento é aquilo que se chama de validade.
Se uma norma jurídica é válida, significa que é obrigatório conformar-se a ela e, caso não nos conformemos, o juiz será obrigado a intervir, atribuindo esta ou aquela sanção.
Pode-se estabelecer a pertinência de uma norma a um ordenamento e, portanto, sua validade, remontando-se de grau em grau, até a norma fundamental.
Validade Social ou Eficácia.
Sob o prisma técnico-formal, uma norma jurídica pode ter validade e vigência, ainda que seu conteúdo não seja cumprido; mesmo descumprida, ela vale formalmente. Porém, o Direito autêntico é aquele que também é reconhecido e vivido pela sociedade, como algo que se incorpora ao seu comportamento. Assim, a regra do Direito deve ser não só formalmente válida, mas também socialmente eficaz.
Eficácia vem a ser o reconhecimento e vivência do Direito pela sociedade, “é a regra jurídica enquanto monumento da conduta humana” (Miguel Reale). Desta forma, quando as normas jurídicas são acatadas nas relações intersubjetivas e aplicadas pelas autoridades administrativas ou judiciárias, há eficácia.
Como esclarece Maria Helena Diniz, “vigência não se confunde com eficácia; logo, nada obsta que uma norma seja vigente sem ser eficaz, ou que seja eficaz sem estar vigorando”.
Pode ser que determinadas normas jurídicas, por estarem em choque com a tradição e valores da comunidade, não encontrem condições fáticas para atuar, não seja adequadas à realidade. Todavia, o fato é que não existe norma sem o mínimo de eficácia, de execução ou aplicação na sociedade a que se destina. Daí a relevância da valoração do fato social, para que a norma seja eficaz.
Kelsen condiciona a validade da lei a um mínimo de eficácia: “uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que não é eficaz em certa medida, não será considerada como norma válida (vigente). O mínimo de eficácia é condição de sua vigência (validade)”.
Sobre a matéria, temos ainda a contribuição de Paulo Nader, ao se referir às causas do desuso, dizendo que elas estão em certos defeitos das leis, e em função disso as classifica em: “anacrônicas”, isto é, as que envelheceram enquanto a vida evoluía, havendo uma defasagem entre as mudanças sociais e a lei; “leis artificiais”, ou seja, fruto apenas do pensamento, mera criação teórica e abstrata, estão distanciadas da realidade que vão governar; “leis injustas”, ou seja, aquelas que, traindo a mais significativa das missões do direito que a de espargir justiça, nega ao homem aquilo que lhe é devido; “leis defectivas”, que são as que, por não terem sido planejadas com suficiência, revelam-se na prática, sem condições de aplicabilidade, não fornecendo todos os recursos técnicos para a sua aplicação (por exemplo: quando prescreve uso de certa máquina pelo operário, mas que não existe no mercado).
Validade Ética ou Fundamento.
Toda a norma jurídica além da validade formal (vigência) e validade social (eficácia), deve possuir ainda validade ética ou fundamento.
O fundamento é na verdade o valor ou o fim visado pela norma jurídica.
De fato, toda a norma jurídica deve ser sempre uma tentativa de realização de valores necessários ao homem e a sociedade. Se ela visa atingir um valor ou afastar um desvalor, ela é um meio de realização desse fim valioso, encontrando nele a sua razão de ser ou o seu fundamento. As regras, que protegem, por exemplo, a liberdade, são consideradas como tendo fundamento, porque buscam um valor considerado essencial ao ser humano.
Realmente, é o valor que legitima uma norma jurídica que lhe dá uma legitimidade; daí a distinção entre legal (que possui validade formal) e legítimo (que possui validade ética).
Podemos dizer que o valor que dá a razão última da obrigatoriedade da norma. Ela obriga porque contém preceito capaz de realizar o valo; em última análise, esta é a fonte primordial da obrigatoriedade de uma regra de direito (imperatividade em termos axiológicos). Ter que é a coerção ou a coação que asseguram a obrigatoriedade do Direito é atitude que resulta no amesquinhamento da natureza humana. Nem a coação-ato, nem a coerção-potência podem substituir satisfatoriamente o sentimento jurídico; só o entendimento do Direito sob o prisma de valor dignifica a condição do ser humano.
O Problema da Legitimidade da Norma Jurídica
1 Vigência (validade formal):
Para a norma jurídica ingressar no mundo do direito, produzindo seus efeitos, é necessário que tenha vigência ou, no dizer de Paulo Nader, validade formal.
Validade formal => ter preenchido os requisitos técnico-formais. Se o processo de formação da lei foi irregular, sem que tenha havido, por exemplo, tramitação pelo Senado Federal, as normas não obterão vigência.
Paulo Dourado de Gusmão diferencia, no sentido técnico-jurídico, vigência de validade. Vigência, para este autor, diz respeito à dimensão temporal e espacial da obrigatoriedade do Direito. Determinável, começa da data em que for publicada a norma no Diário Oficial, ou da data nela prevista, terminando na sua revogação, quando lei posterior dispuser em sentido contrário.
2 Eficácia (validade social):
Eficaz é o direito efetivamente observado pela sociedade e aplicado pelo Poder Judiciário e que atinge a sua finalidade.
Obs.: Há quem faça distinção entre eficácia e efetividade.
3 Fundamento (validade ética):
O direito é válido se corresponder à justiça, às aspirações morais do povo e às reais necessidades sociais, bem como se atender às suas finalidades (ordem, paz e segurança).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 11
Matéria a ser desenvolvida: A Lei e o Ordenamento Jurídico (continuação). O início da vigência da lei. A vacância da lei. O princípio da obrigatoriedade das leis. A cessação da obrigatoriedade das leis: ab-rogação e derrogação; revogação expressa e tácita. A questão da repristinação. A visão sistemática do Direito: unidade, coerência e completude
Existência, Validade, Eficácia e Efetividade da Lei
Início da Vigência da Lei
Após a sanção, a lei já existe e é válida, tendo em vista que a promulgação é ato declaratório de sua existência. Todavia só terá vigência a partir da data disposta nela mesma.
Pode ocorrer que a lei não mencione a data a partir da qual vigorará. Neste caso prevalece a regra geral do art. 1o da LICC (entrará em vigor 45 dias após a data de sua publicação).
Obs.: Chama-se vacatio legis o período que medeia a data de publicação da lei e a de sua entrada em vigor.
Pergunta-se:
1- Uma lei pode ter validade sem ter vigência e eficácia?
2- Pode uma lei ter validade e vigência sem ter eficácia?
3 - Pode uma lei ter vigência e eficácia sem ter validade?
4 - Pode uma lei ter validade e eficácia sem ter vigência?
Direito e força
Falamos que a norma fundamental estabelece que é preciso obedecer ao poder originário. Mas o que é poder originário?
Poder originário
É o conjunto de forças políticas que, num determinado momento histórico, tomam o domínio da sociedade e instauram um novo ordenamento jurídico. (Norberto Bobbio)
O ordenamento só é jurídico se for efetivo. A norma fundamental que manda a todos obedecerem aos detentores do poder originário é aquela que os legitima a exercerem a força. Veja-se que uma das características do ordenamento jurídico (das normas jurídicas) é a possibilidade do uso da força (coercibilidade). Assim a força pode ser vista como um instrumento para a realização do Direito.
Para Norberto Bobbio, um ordenamento se torna jurídico quando se vêm formando regras para organizar uma sociedade pelo uso da força (passa-se da fase do uso indiscriminado da força à do uso limitado e controlado da força).
Todavia, não é correto dizer que um ordenamento jurídico é um conjunto de regras para o exercício da força, como queria Kelsen. O objetivo de todo o legislador não é o de organizar a força, mas organizar a sociedade mediante a força.
Princípio da Obrigatoriedade das Leis
Publicada a lei, esta passa a ser do domínio de todos, sem exceção. Desta forma, diz o art. 3o da LICC: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”
O princípio da obrigatoriedade, inscrito no artigo mencionado, é bem recente, porque, no direito romano, admitia-se a desculpa do erro pelo desconhecimento do direito.
Tal princípio, atualmente, comporta poucas exceções (Ex.: art.8o. da Lei de Contravenções Penais: “no caso de ignorância ou errada compreensão da lei, quando escusáveis, a pena pode deixar de ser aplicada”.)
Princípio da Continuidade das Leis
Este princípio está contemplado no art. 2o da LICC, quando menciona que uma lei só deixa de vigorar quando modificada ou revogada por outra posterior.
Há que se fazer uma distinção entre derrogação e ab-rogação. A derrogação significa revogação parcial enquanto que a ab-rogação diz respeito à revogação total. Ambas, derrogação e ab-rogação, são espécies do gênero revogação.
Cessação da eficácia das leis
A lei nova revoga a anterior quando trata sobre o mesmo assunto de forma diversa. Assim, nos fatos ocorridos após a sua revogação, a lei antiga não produzirá qualquer efeito, cessando, desta forma, sua eficácia.
Mas, com relação aos fatos ocorridos anteriormente à edição da nova lei, a lei antiga poderá continuar produzindo efeitos. Tal fenômeno é chamado de ultratividade da lei.
Revogação: expressa e tácita
Se a lei posterior disser, de maneira expressa, que a lei anterior está revogada, temos a revogação expressa.
A revogação tácita é a que decorre da vigência de uma nova disposição que colide com a anterior, sem que seja mencionada a lei nova a revogação da antiga. Assim, está implícita sua revogação.
Há também revogação tácita quando a lei posterior regula inteiramente certa matéria tratada por lei anterior, sem que, ao final, diga expressamente que revogou a lei antiga.
Obs.: Costume não revoga lei.
Repristinação
A lei posterior revoga a anterior quando trata da mesma matéria de forma contrária.
Uma vez revogada a lei nova, volta a vigorar a lei antiga?
Art. 2o, parágrafo 3o, da LICC: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
Repristinação seria o restabelecimento da lei revogada após a perda da vigência da lei revogadora. Tal fato, como vimos, não é possível em nosso ordenamento jurídico, salvo disposição expressa em contrário.
Obs.: Tal dispositivo não se aplica às leis temporárias. - art. 2o, caput: “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.”
Sistema e Ordenamento Jurídico: unidade, coerência e completude
Norberto Bobbio distingue os ordenamentos jurídicos em simples e complexos.
a) Ordenamentos jurídicos simples são aqueles que derivam de uma só fonte => neles existem dois personagens: legislador e súditos => divisão puramente escolástica
b) Complexos são os ordenamentos que derivam de mais de uma fonte => necessidade de muitas regras de conduta para a manutenção de uma sociedade => impossibilidade de um único órgão suprir tal necessidade
A complexidade do ordenamento jurídico, ou seja, o fato de as normas de um ordenamento jurídico afluírem de diversas fontes decorre de duas razões fundamentais:
1 O Estado não é uma sociedade natural completamente privada de leis. Pelo contrário, nele vigem normas morais, sociais, religiosas, usuais, consuetudinárias, convencionais, etc. O novo ordenamento que surge não elimina completamente as estratificações normativas que o precederam. Assim, parte daquelas regras, através de um reconhecimento expresso ou tácito, comporá o novo ordenamento, que surge limitado pelos ordenamentos precedentes. - Limites externos do poder soberano
2 O poder originário cria novas centrais de produção de normas jurídicas (Poder Executivo, Unidades Territoriais Autônomas, Cidadão), pela necessidade de uma normatização sempre atualizada e adaptada às diversas realidades. - Limites internos do poder soberano ou autolimitação
Sistema e Ordenamento Jurídico: coerência
O ordenamento jurídico é uma unidade sistemática, entendendo-se por sistema um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem.
Kelsen distingue dois tipos de sistemas existentes nos ordenamentos normativos:
1 Sistemas estáticos - as normas derivam umas das outras, partindo-se de uma ou mais normas originárias de caráter geral, levando a outras de caráter mais específico. - as normas, aqui, relacionam-se em função de seu conteúdo;
2 Sistemas dinâmicos - as normas que o compõe derivam umas das outras através de sucessivas delegações de poder. - as normas, aqui, se relacionam pela forma de sua concepção.
Exemplo de sistema estático - Um pai ordena a seu filho que estude. O filho lhe indaga: Por quê? O pai explica: Porque deves aprender. O filho pergunta: por que devo aprender? O pai explica: Para seres aprovado.(conteúdo)
Exemplo de sistema dinâmico: O pai ordena a seu filho que estude. O filho indaga: Por quê? O pai explica: Porque deves obedecer a teu pai. O filho pergunta: Por que devo obedecer a meu pai? O pai responde: Porque teu pai foi autorizado a mandar pela lei do Estado.(forma)
Kelsen sustenta que os ordenamentos jurídicos são de sistema dinâmico.
Por que o ordenamento jurídico é um sistema?
Porque, além das normas contidas no ordenamento derivarem umas das outras, nele não podem coexistir normas incompatíveis, ou seja, o Direito não tolera antinomias.
Antinomia Jurídica
Situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade. (Norberto Bobbio)
Existem quatro âmbitos de validade:
1 Validade temporal: “É proibido fumar das 5 às 7h” não é incompatível com “É permitido fumar das 7 às 9h”.
2 Validade espacial: “É proibido fumar na sala de projeção” não é incompatível com “É permitido fumar na sala de espera”.
3 Validade pessoal: “É proibido aos menores de 18 anos fumar” não é incompatível com “É permitido aos adultos fumar”.
4 Validade material: “É proibido fumar charutos” não é incompatível com “É permitido fumar cigarros”.
As regras fundamentais para a solução das antinomias são:
1 Critério cronológico (lex posterior derogat priori) - art. 2o, § 1o, LICC
2 Critério hierárquico (lex superior derogat inferiori)
3 Critério da especialidade - art. 2o., p. 2o., LICC
Obs.: Lei especial é aquela que anula uma lei mais geral ou subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória). Corresponde a uma exigência fundamental de justiça: tratamento igual às pessoas que pertencem à mesma categoria.
Ao deparar-se com uma antinomia, o aplicador do Direito deverá utilizar as regras mencionadas, resultando três possibilidades:
1 Eliminar uma das regras, aplicando a outra (antinomia real) => interpretação ab-rogante => ab-rogação simples
2 Eliminar as duas, aplicando uma terceira (antinomia real) => interpretação ab-rogante => dupla ab-rogação
3 Conservar as duas (antinomia aparente)
Obs.: Veja-se que, ao notar uma antinomia, um juiz poderá utilizar uma das regras, enquanto outro utilizará a norma contrária.
Conclusão: A coerência não é condição de validade, mas sempre condição de justiça do ordenamento. Quando duas normas contrárias são válidas, podendo haver indiferentemente a aplicação de uma ou de outra, viola-se duas exigências fundamentais em que se inspiram os ordenamentos jurídicos: a certeza (correspondente ao valor da paz e da ordem) e a justiça (que corresponde ao valor da igualdade).
SISTEMA E ORDENAMENTO JURÍDICO: COMPLETUDE
Completude
É a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente “lacuna”, “completude significa “falta de lacunas”. (Norberto Bobbio)
Art. 4o. da LICC: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito.
Art. 126 do CPC: O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Art. 127 do CPC: O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.
O princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma solução sem recorrer à eqüidade é dominante até agora na teoria jurídica européia de origem romana.
O dogma da completude nasce provavelmente na tradição românica medieval, dos tempos em que o Direito romano vai sendo considerado Direito por excelência, enunciado no Corpus Iuris, ao qual não há nada a acrescentar ou a retirar, pois contém regras suficientes para resolver qualquer problema jurídico que possa surgir.
Nos tempos modernos, o dogma da completude tornou-se parte integrante da concepção que faz da produção jurídica um monopólio do Estado.
Por esta concepção, admitir que o ordenamento jurídico estatal não era completo significava introduzir um Direito concorrente, quebrando o monopólio do Estado.
Com as grandes codificações (desde a francesa de 1804 até a alemã de 1900), desenvolveu-se entre os juristas e juízes a admiração incondicional pelo legislador, gerando uma crença cega de que o código, uma vez promulgado, bastava-se a si próprio, inexistindo neles qualquer lacuna.
Na medida em que as codificações envelheciam, crescia também o fenômeno da revolução industrial, que gerou uma profunda e rápida transformação da sociedade. Esta mudança fez parecerem as primeiras codificações anacrônicas e inadequadas.
Surge, assim, a corrente do Direito Livre, combatendo o monopólio jurídico do Estado e, por conseqüência, o dogma da completude. Esta corrente defendia que somente o Direito livre (Direito criado pelo juiz) estaria em condições de preencher as lacunas da legislação.
Todavia, prevaleceu o dogma da completude, pois curvar-se ao Direito livre significava quebrar a barreira do princípio da legalidade, que havia sido colocado em defesa do indivíduo, abrir as portas ao arbítrio, ao caos e à anarquia. A completude não era um mito, mas uma exigência de justiça.
O ordenamento jurídico fixa normas para certas situações e deixa de regulamentar outras, fazendo parecer que aquelas não regulamentadas não importam ao mundo jurídico. Entretanto, entre os casos inclusos expressamente e os exclusos, há, em cada ordenamento, uma zona incerta de casos não regulamentados, mas potencialmente colocáveis na área de influência dos casos normatizados. (exceção: Direito Penal (fixação de crimes) - art. 5o. XXXIX da CF - e Direito Tributário (instituição de tributos) - art. 150, I, da CF)
Para se completar um ordenamento jurídico, pode-se recorrer a dois métodos:
1 Heterointegração: busca do complemento fora do ordenamento, mas autorizado por ele.
• recurso a ordenamentos diversos - Ex.: Direito Natural
recurso a fontes diversas daquelas dominantes (a lei) - costumes, eqüidade e doutrina
2 Auto-integração: busca do complemento no próprio ordenamento. Ex.: Analogia e princípios gerais do Direito.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 12
Matéria a ser desenvolvida: Conflitos de lei no tempo. Direito Intertemporal. Princípios da irretroatividade. Direito adquirido. Ato jurídico perfeito. Coisa julgada. Leis temporárias e perpétuas, comuns e especiais.
Conflitos de lei no tempo: noções gerais
A chamada aplicação da lei no tempo e no espaço refere-se à eficácia do Direito segundo a extensão de sua incidência ou em função do tempo ligado à sua vigência. Temos, assim, a eficácia da lei no tempo e no espaço.
A eficácia da lei no tempo diz respeito ao tempo de sua atuação até que desapareça do cenário jurídico. Como tal fato pode ocorrer?
Em duas hipóteses:
a) se a lei já tem fixado seu tempo de duração, com o decurso de prazo determinado ela perde sua eficácia e vigência.
b) se ela não tem prazo determinado de duração, permanece atuando no mundo jurídico até que seja modificada ou revogada por outra de hierarquia igual ou superior (LICC, art. 2º); é o princípio da continuidade das leis.
Direito intertemporal
Toda a matéria tratada no art. 2o da lei de Introdução ao Código Civil, dá margem a uma infinidade de conflitos. Tais conflitos são chamados de “conflitos das leis no tempo”.
O conflito das leis no tempo nasce justamente da colisão da lei nova com a anterior. Muitas vezes permanecem conseqüências da lei antiga, sob a vigência da lei nova. E, muitas vezes, situações que foram criadas pela lei antiga já não encontrarão apoio na lei nova. Então há que se estudar até que ponto a lei antiga pode gerar efeitos e até que ponto a lei nova não pode impedir esses efeitos da lei antiga. Chamaremos tal fenômeno de direito intertemporal.
As normas legislativas de direito intertemporal são chamadas disposições transitórias. A própria lei pode estabelecer tais disposições (vide Constituição Federal), dispondo sobre sua vigência ou sobre a vigência de leis anteriores.
Todavia, são os princípios jurídicos que estabelecem as grandes linhas do direito intertemporal. Entre tais princípios estão os da retroatividade e da não-retroatividade da lei.
Princípio da retroatividade e irretroatividade das leis
Uma lei nova só tem valor para o futuro ou regula situação anteriormente constituídas, isto é, tem eficácia pretérita?
a) A norma que atinge os efeitos de atos jurídicos praticados sob o império da lei revogada é retroativa, tem eficácia pretérita; a que não se aplica a qualquer situação jurídica constituída anteriormente é irretroativa, hipótese em que a norma revogada permanece vinculante para os casos anteriores à sua revogação.
b) Em princípio, as leis não devem retroagir; em face do seu caráter prospectivo, devem disciplinar situações futuras. O fundamento maior do princípio da irretroatividade, consagrado na doutrina, e pela generalidade das lês legislações, é a proteção do indivíduo contra possível arbitrariedade do legislador. Se fosse admitida a retroatividade como princípio absoluto, a segurança do indivíduo não ficaria preservada.
c) A eficácia retroativa das leis é, portanto, excepcional; não se presume, devendo provir de texto expresso.
Temos ainda que a Constituição Federal, na verdade, não proíbe a retroatividade da lei, a não ser da lei penal que não beneficia o réu (art. 5º, XL, CF), e resguardados sempre o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF).
Por retroatividade da lei entende-se que a lei nova pode atingir situações abrangidas por leis anteriores.
Ao contrário, por irretroatividade das leis a lei nova não pode atingir situações reguladas pela lei anterior.
Reforçando a matéria examinada podemos dizer ainda que: “o princípio da irretroatividade encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico tendo em vista a necessidade de segurança e estabilidade necessários à vida em sociedade”. Assim, temos a certeza de que o nosso direito de hoje não será violado pela lei de amanhã.
Deste modo, determina o art. 6º da Lei de Introdução ao CC que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. No mesmo diapasão dispõe o inciso XXXVI do art. 5º da CF/88 “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Logo, para entendermos a irretroatividade, é importante que se entenda o que significa direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
Direito adquirido é aquele que, na vigência de determinada lei, incorporou-se ao patrimônio de seu titular.
Ex.: Alguém pode aposentar-se por exercer atividade penosa após 25 anos de serviço. Apesar de passados os anos exigidos, não se utiliza da vantagem. De repente, sobrevém uma lei que considera tal atividade não penosa e alarga o tempo exigido para aposentadoria para 30 anos.
Mesmo não tendo o indivíduo exercido o seu direito à época em que completou os 25 anos de serviço (sob a vigência da lei antiga), poderá ele valer-se da lei antiga para obter o benefício, uma vez que o direito já estava adquirido à época da mudança da lei.
Dispõe o parágrafo 2º, do art. 6 º, da Lei de Introdução do CC: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
A noção de direito adquirido, em que pese a sua influência no campo do direito tradicional, tem sido modernamente abandonada para substituir-se pela teoria dos chamados fatos consumados.
Ferrara preconiza, para solução dos problemas da irretroatividade, o princípio tempus regit factum, pelo qual os fatos se regem pela lei vigorante à época de sua ocorrência.
Assim, uma lei antiga conserva sua capacidade de produzir efeitos, mesmo sob a vigência de nova lei. Isto, porém, só se dá de matéria de interesse exclusivamente privado. Se assim não fosse, não seriam possíveis leis como a da abolição da escravatura, que extinguiu efeitos do regime legal anterior.
Coisa Julgada - Depois de decidida uma questão pelo Judiciário, se já não há possibilidade de recurso, faz ela lei entre as partes, estabelecendo obrigações e direitos entre as mesmas.
A lei nova não atingirá tais decisões.
Ato Jurídico Perfeito - É aquele que se realizou inteiramente sob a vigência de determinada lei. Assim, se alguém comprou alguma coisa, pagando na hora o respectivo preço total, o direito daquela pessoa sobre tal coisa está consumado, não podendo ser atingido por lei nova.
Conclusão: Se o ato não estiver terminado, a lei nova o atingirá.
Obs. 1: A expectativa de direito é a possibilidade de se vir a ter um direito. Ela não confere direitos.
Ex. 1: Se alguém tem 24 anos de serviço e frente à lei vigente lhe falta 1 ano para aposentar-se, este indivíduo tem uma expectativa de direito à sua aposentadoria. Caso a lei mude neste momento, terá ele que submeter-se ao novo regramento.
Ex. 2: O filho, estando seu pai ainda vivo, tem expectativa de direito quanto à herança. Entretanto, os bens de seu pai ainda não incorporaram ao seu patrimônio, não gerando, portanto, direito adquirido.
Conclusão: A lei nova atinge as expectativas de direito.
Obs.2: Faculdade Jurídica é um mero poder conferido a determinada pessoa para realizar determinada ação. Não é propriamente um direito, mas “um modo pelo qual o direito se manifesta em dadas circunstâncias”, como diz Clóvis Bevilacqua.
A Faculdade Jurídica consiste, assim, na possibilidade que tem o indivíduo de exercer certo direito.
Ex.: Casar-se, conferir um mandato, comprar, vender, etc.
Conclusão: A lei nova atinge a faculdade jurídica.
Nota: Conforme Francisco Amaral, Direito Civil – Introdução, ed. Renovar, RJ.
Regras de vigência temporal:
O sistema jurídico brasileiro contém as seguintes regras sobre essa matéria: a) são de ordem constitucional os princípios da irretroatividade da lei nova e do respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada; b) esses dois princípios obrigam ao legislador e ao juiz; c) a regra, no silêncio da lei, é a irretroatividade; d) pode haver retroatividade expressa, desde de que não atinja direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada; e) a lei nova tem efeito imediato, não se aplicando aos fatos anteriores.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 13
Matéria a ser desenvolvida: Interpretação do Direito. Hermenêutica. Interpretação autêntica, judicial e doutrinária. Interpretação literal, racional, sistemática, histórica e teleológica. Interpretação declarativa, extensiva e restritiva.
A palavra hermenêutica provém do grego, e deriva de Hermes, deus da mitologia grega, filho de Zeus e de Maia, considerado o intérprete da vontade divina.
A hermenêutica estuda e sistematiza os critérios aplicáveis na interpretação das regras jurídicas. (Carlos Maximiliano). Hermenêutica, pois, no seu sentido mais genérico, é a interpretação do sentido das palavras.
Quanto à hermenêutica jurídica, o termo é utilizado com diferente extensão pelos autores. Freqüentemente, é usado como sinônimo de interpretação da norma jurídica. Miguel Reale, por exemplo, fala em “hermenêutica ou interpretação do direito, em suas Lições Preliminares de Direito”. Carlos Maximiliano, por outro lado, distingue “hermenêutica” e “interpretação”; aquela seria a teria científica d arte de interpretar; esta seria à aplicação da hermenêutica; em síntese, a hermenêutica seria teórica e a interpretação seria de natureza prática aplicando os ensinamentos da hermenêutica.
Outros doutrinadores, dão ao vocábulo um sentido mais amplo, que abrange a interpretação, à aplicação e a integração do Direito. Assim, a hermenêutica jurídica pode ser considerada como “a teoria científica da arte de interpretar, aplicar e integrar o direito” (Antônio Bento Betioli, Introdução ao Direito, Letras & Letras, SP).
Na realidade, existe uma íntima correlação entre essas três operações, todavia seja três conceitos distintos. É assim que, se o Direito existe, existe para ser aplicado. Antes, contudo, é preciso interpreta-lo; só aplica bem o Direito quem o interpreta bem.
Por outro lado, como a lei pode apresentar lacunas, é necessário preencher tais vazios, com o fim de se dar sempre uma resposta jurídica, favorável ou contrária, a quem se encontra em situação de litígio, buscando a tutela da prestação jurisdicional.
A efetividade do direito depende, de um lado, técnico que formula as leis, decreto e códigos e, de outro lado, da qualidade da interpretação realizada pelo aplicador das normas. O êxito da interpretação depende de um bom trabalho de técnica legislativa.
Interpretar o direito é revelar o sentido e alcance de suas expressões. Fixar o sentido de uma norma jurídica é descobrir a sua finalidade, é pôr a descoberto os valores consagrados pelo legislador, aquilo que teve por mira proteger. Fixar o alcance é demarcar o campo de incidência da norma jurídica, é conhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação.
Ao interpretar os textos jurídicos, o intérprete não se vincula à vontade do legislador, pois o modo contínuo da vida cria a necessidade de se adaptar as velhas fórmulas aos tempos modernos.
O sentido atual da norma dada pelo intérprete tem se ser compatível com o texto interpretado e com o sistema jurídico.
Par descobrir o sentido objetivo da lei o intérprete percorre o que se convencionou chamar de momentos de interpretação, sendo este composto dos seguintes tipos de interpretação:
a) interpretação literal (gramatical) – é a que estabelece o sentido objetivo com base na sua letra, ou seja, conforme o que está escrito;
b) interpretação racional – é aquela que visa descobrir a razão do legislador expressa na norma;
c) interpretação lógica – é a investigação do fim ou da razão de ser da lei com o objetivo de clarear o seu real sentido;
d) interpretação sistemática – consiste na pesquisa do sentido e alcance das expressões normativas, considerando-as em relação as outras expressões contidas na ordem jurídica, mediante comparações;
e) interpretação histórica – é aquela que acompanha as mudanças sociais, o Direito se renova, ora aperfeiçoando os institutos vigentes, ora criando outros, para atender os desafios dos novos tempos;
f) interpretação teleológica (fim) – é aquela que visa avivar os fins que motivaram a criação da lei, através dos diferentes momentos de interpretação.
Deve ainda, analisar o intérprete da lei o efeito ou resultado, isto é, à conclusão da interpretação, podendo chegar a três espécies de interpretação, quais sejam: extensiva, restritiva e declarativa.
a) interpretação extensiva – o intérprete constata que o legislador usou com impropriedade os termos, dizendo menos do que queria afirmar;
b) interpretação restritiva – o legislador diz mais do que queria dizer, cabendo ao intérprete restringir a amplitude das palavras;
c) interpretação declarativa – o intérprete chega à constatação de que as palavras expressam, com medida exata, o espírito da lei.
A interpretação pode ser classificada ainda quanto ao critério da origem ou fonte:
a) autêntica – quando emana do próprio poder que fez o ato cujo o sentido e alcance ela declara;
b) judicial- é a decorrente das decisões emanadas pela justiça; vem a ser aquela que realizam os juízes ao sentenciar, encontrando-se nas sentenças, no s acórdãos e súmulas dos tribunais (formando a sua jurisprudência)
c) administrativa – aquela cuja fonte elaborada é a própria Administração Pública, através de seus órgãos e mediante pareceres, despachos, decisões, circulares, portarias etc.
d) doutrinária – é aquela realizada cientificamente pelos doutrinadores e juristas em suas obras e pareceres. Temos livros especializado de Direito que comentam artigo por artigo de uma lei, código ou consolidação, dando o sentido do texto comentado com base em critérios científicos.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I – AULA 14
Matéria a ser desenvolvida: Integração e aplicação das leis. O problema das lacunas e recursos às fontes secundárias do Direito. O fim social da lei. O art. 5º da LICC e as leis injustas. O Direito Alternativo.
Para aplicar o direito, o órgão do Estado precisa, antes, interpretá-lo. A aplicação é um modo de exercício que está condicionado por uma prévia escolha, de natureza axiológica, entre várias interpretações possíveis. Antes da aplicação não pode deixar de haver interpretação, mesmo quando a norma legal é clara, pois a clareza só pode ser reconhecida graças ao ato interpretativo. Ademais, é obvio que só aplica bem o direito quem o interpreta bem.
Integração da Norma
Os legisladores, por mais que o queiram, não conseguem acompanhar por suas normas jurídicas a dinâmica de transformações da realidade social. Em outras palavras, as normas jurídicas não conseguem disciplinar todo o volume de situações que emergem nas relações sociais. Assim, quando aparece um caso que não está previsto pelas normas jurídicas, isto é, quando para um fato não existe norma adequada, estamos diante de uma lacuna que deve ser preenchida pelo aplicador através da integração do Direito.
Como afirmado, “se reconhecemos que a lei tem lacunas, é necessário preencher tais vazios, a fim de que se possa dar sempre uma resposta jurídica, favorável ou contrária, a quem se encontre ao desamparo da lei expressa. Esse processo de preenchimento das lacunas chama-se integração do direito, segundo o qual a, em sendo a lei omissa, deve-se recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.
Voltamos a dizer, que no tocante à analogia, “cumpre advertir que ela não tem emprego em todos os domínios do direito, sendo inadmissível, em princípio, quando se tratar de regras de caráter penal, ou se as normas forem restritivas de direito ou abrirem exceções”.
Plenitude da Ordem Jurídica:
A integração das lacunas encontradas na lei é possível porque vigora o postulado da “plenitude da ordem jurídica”, isto é, o ordenamento jurídico não pode deixar de conter solução para todas as questões que surgirem na vida das relações sociais. Assim, no ordenamento jurídico existem princípios e normas latentes capazes de solucionar situações não previstas, expressamente pelo legislador.
Logo, por “plenitude” entende-se a propriedade pela qual o ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso; não existe hipótese que não possa estar disciplinada por uma norma existente no sistema.
Todavia, é princípio consagrado universalmente que os juízes não podem deixar de julgar se valendo da inexistência de normas aplicáveis. Se não fosse assim, a segurança jurídica ficaria gravemente comprometida. No Direito Pátrio, o art. 126 do CPC determina sobre a matéria: “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei”.
Aplicação da Norma
Durante muito tempo, uma compreensão formalista do Direito julgou possível reduzir a aplicação da lei à estrutura de um silogismo, no qual a norma legal seria a premissa maior; a enunciação do fato, a premissa menor; e a decisão da sentença, a conclusão. À luz desses ensinamentos, não faltam processualistas imbuídos da convicção de que a sentença se desenvolve como um silogismo.
De fato, as questões são bem mais complexas, implicando uma série de atos de caráter lógico e axiológico, a começar pela determinação prévia da norma aplicável à espécie, dentre as várias normas possíveis, o que desde logo exige uma referência preliminar ao elemento fático.
Assim, podemos dizer que o ato de subordinação ou subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua intuição e prudência, operando a norma como substrato condicionador de suas indagações teóricas e técnicas.
O fim social da lei. O art. 5º da LICC e as leis injustas
O art. 5º da LICC diz: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais do direito e as exigências do bem comum”.
O bem comum é assim o bem da comunidade e simultaneamente o bem das pessoas que desta participam.
Como resulta do próprio texto, os fins sociais são os daquela lei, especificamente considerada; enquanto o bem comum é uma consideração extralegal, genericamente vinculante.
O juiz deixara assim aquela condição de “ente inanimado”, conforme Montesquieu concebera, ou então como descrevera Roscoe Pound, em relação à teoria mecânica, que reduz o juiz à condição de operador de máquinas automáticas: “ponham-se os fatos no orifício de entrada, puxe-se uma alavanca e retire-se a decisão pré-formulada”.
Os fins sociais objetivam eliminar a possibilidade de que meros caprichos pessoais possam surgir em detrimento da coletividade. Quando houver conflito entre o interesse individual e o social, este último deve prevalecer.
Em conclusão:
a) o art. 5º respeita quer à interpretação, quer à aplicação da lei;
b) no tocante à interpretação, consagra o elemento teleológico e uma diretriz de cúpula, mediante a referência ao bem comum;
c) embora mencione especificamente o juiz, o art. 5º abrange igualmente a interpretação e a aplicação extrajudiciais.
O Direito Alternativo
Antes de iniciarmos nossas considerações acerca do direito alternativo, cumpre ressaltar a diferença existente entre uso alternativo do direito e direito alternativo.
O uso alternativo do direito, consiste num modo de prosseguir a luta de classes, não pela revolução nem sequer pela negação da legalidade, mas pela exploração de todas as potencialidades abertas pela ordem vigente. Aproveitar-se-iam as lacunas, contradições e imprecisões do próprio sistema positivo para extrair as soluções mais favoráveis aos explorados. Assim se ampliaria sucessivamente o espaço democrático.
No Brasil não se fala em uso alternativo do direito, mas em Direito Alternativo.
No Direito Alternativo a posição padrão é de que o jurista não é neutro. A lei deve ser rejeitada quando conduzir a um resultado desfavorável às classes dominadas. Admite-se assim a decisão contra legem.
É muito acentuado na justiça. Buscou-se apoio na frase de Couture, de que em caso de conflito entre a Lei e a Justiça; a Justiça deve prevalecer. Fala-se também de um jusnaturalismo de caminhada, que traduz as preocupações substancialistas desta orientação.
Entretanto, há uma grande falta de fundamentação do alternativismo, que dificulta grandemente a sua compreensão. Apesar dos protestos, tal como vem normalmente desenhada é uma porta aberta para a arbitrariedade. Tudo dependerá da sorte ou do azar de se ir parar as mãos de um juiz “alternativo” e da maneira como ele concebe as relações de classe.
Por outro lado, parece que ainda é cedo para se lançar em conclusões a respeito do movimento denominado “Direito Alternativo” cujo campo de lutas é bastante amplo.
O Direito Alternativo, não é a construção “retórica dos práticos do Direito” e nem a ficção jurídica dos “doutrinadores do status quo”. Ele pode ser compreendido como o conjunto de direito conquistados historicamente nas lutas sociais, mesmo que sonegados pela legalidade momentânea. Sua fonte é e deve ser sempre a sociedade.
Na verdade, o que o intérprete e o aplicador do Direito devem buscar, frente ao caso concreto, é encontrar mecanismos jurídicos que permitam a efetivação desse Direito – produzido pela comunidade – esteja ele ou não nos textos legais. Neste prisma, o Direito, é antes de tudo, justiça social